terça-feira, 5 de abril de 2011

Os Anos da Adolescência

Documento 127

(1395.1) 127:0.1 À medida que entrava nos anos de adolescência, Jesus viu-se como o dirigente único de uma grande família e como o seu único suporte. Uns poucos anos depois da morte do seu pai, todas as propriedades deles tinham sido perdidas. Com o passar do tempo, mais consciente ele ficava da sua preexistência; e, ao mesmo tempo passou a compreender mais plenamente que estava presente na Terra e na carne com o propósito expresso de revelar o seu Pai do Paraíso aos filhos dos homens.

(1395.2) 127:0.2 Nenhum adolescente que haja vivido ou que irá jamais viver neste, ou em qualquer outro mundo, teve ou terá problemas mais graves a resolver ou dificuldades mais intrincadas para desembaraçar. Nenhum jovem de Urântia jamais será convocado a passar por conflitos mais angustiantes e por provas mais duras do que Jesus, nestes esses árduos anos entre os seus quinze e os vinte anos de idade.

(1395.3) 127:0.3 Tendo, pois, conhecido a experiência real de viver esses anos da adolescência em um mundo assediado pelo mal e atormentado pelo pecado, o Filho do Homem adquiriu todo o conhecimento sobre a experiência de vida dos jovens de todos os reinos de Nébadon e assim, para sempre, ele tornou-se o refúgio de compreensão para os adolescentes angustiados e perplexos de todas as idades e em todos os mundos do universo local.

(1395.4) 127:0.4 Lentamente, mas com segurança e por meio de uma experiência real, esse Filho divino está conquistando o direito de tornar-se o soberano do seu universo, o dirigente supremo e inquestionável de todas as inteligências criadas em todos os mundos do universo local, e um refúgio de compreensão para todos os seres, de todas as idades e graus de dons pessoais e de experiência.

1. O Décimo Sexto Ano (10 d.C.)

(1395.5) 127:1.1 O Filho encarnado passou pela meninice e experimentou uma infância sem nada de extraordinário. Então, emergindo daquele período de transição cheio de provações, entre a infância e a juventude, tornou-se o Jesus adolescente.

(1395.6) 127:1.2 Nesse ano, alcançou a sua estatura física definitiva. Era um jovem formoso e viril. Tornou-se cada vez mais sóbrio e circunspecto, mas era compassivo e amável. Os seus olhos eram doces, mas inquisidores; o seu sorriso era sempre simpático e calmo. A sua voz era musical, mas autoritária; a sua saudação cordial, sem afetação. Sempre, mesmo no mais comum dos contatos, parecia evidenciar-se uma natureza dupla, a humana e a divina. E, sempre, demonstrava a combinação da compaixão do amigo e a autoridade do mestre. E esses traços de personalidade cedo se tornaram manifestos, mesmo nos anos adolescentes.

(1395.7) 127:1.3 Esse jovem forte e robusto fisicamente também teve o crescimento pleno do seu intelecto humano; não a experiência total do pensamento humano, mas a plenitude da capacidade para o desenvolvimento intelectual. Ele possuía um corpo saudável e bem proporcional, uma mente penetrante e analítica, uma disposição simpática e gentil, um temperamento flutuante, de um certo modo, mas ativo, e tudo isso estava tornando-se organizado em uma personalidade forte, tocante e atraente.

(1396.1) 127:1.4 Com o tempo, tornou-se mais difícil para sua mãe e para seus irmãos compreendê- lo; eles tropeçavam no que ele dizia e interpretavam mal o que fazia. Não estavam preparados para compreender a vida do irmão mais velho, porque a sua mãe havia dado-lhes a entender que Jesus estivesse destinado a tornar-se o libertador do povo judeu. Depois que essas indicações foram dadas por Maria como uma confidência de família, imaginai a confusão deles quando Jesus negava francamente todas essas idéias e intenções.

(1396.2) 127:1.5 Nesse ano, Simão entrou para a escola, e foram obrigados a vender outra casa. Tiago, agora, encarregava-se de ensinar as suas três irmãs, duas das quais tinham já idade suficiente para começar a estudar seriamente. Tão logo Rute cresceu, foi confiada às mãos de Míriam e de Marta. Comumente as meninas das famílias judias recebiam pouca educação, mas Jesus era da opinião (com o que a sua mãe concordava) de que as meninas deviam ir à escola como os garotos e, já que a escola da sinagoga não as receberia, nada havia a fazer senão dar aulas especiais em casa para elas.

(1396.3) 127:1.6 Durante esse ano, Jesus ficou confinado à sua bancada de trabalho. Felizmente tinha bastante trabalho; e o que fazia era de uma qualidade tão superior que nunca ficava sem ter o que fazer, não importa quão escasso ficasse o trabalho naquela região. Por vezes tinha tanta coisa para fazer que Tiago lhe ajudava.

(1396.4) 127:1.7 Lá pelo fim desse ano ele havia já decidido que, depois de criar todos e de vê-los casados, iniciaria publicamente o seu trabalho de mestre da verdade como um revelador do Pai celeste ao mundo. Sabia que não iria tornar-se o esperado Messias judeu, e concluiu que era quase inútil discutir essa questão com sua mãe; e decidiu permitir-lhe alimentar as idéias que quisesse, pois tudo o que ele havia dito no passado pouco ou nenhum efeito tivera sobre ela, além do que se lembrava de que o seu pai nunca tinha sido capaz de dizer nada que mudasse a opinião dela. Desse ano em diante, ele passou a falar cada vez menos com a sua mãe e com todos os outros, sobre os seus problemas. A sua missão era tão singular que a nenhum ser vivo na Terra era possível dar-lhe conselhos sobre como cumpri-la.

(1396.5) 127:1.8 Ainda que muito jovem, era um pai real para a família; passava cada hora possível com os mais jovens e, de fato, eles o amavam. Sua mãe afligia-se de vê- lo trabalhando tão duramente; lamentava que ficasse, dia após dia, labutando na bancada de carpinteiro, ganhando a vida para a família, em vez de estar, como tão carinhosamente haviam planejado, em Jerusalém estudando com os rabinos. Mesmo havendo tanta coisa no seu filho que Maria não conseguia entender, ela o amava e apreciava profundamente a boa vontade com a qual ele assumia a responsabilidade da casa.

2. O Décimo Sétimo Ano (11 d.C.)

(1396.6) 127:2.1 Nessa época houve uma considerável agitação, especialmente em Jerusalém e na Judéia, uma rebelião contra o pagamento de impostos a Roma. Estava surgindo um forte partido nacionalista, que logo seria chamado de zelote. Os zelotes, contrariamente aos fariseus, não estavam dispostos a esperar pela vinda do Messias. Eles propunham precipitar as resoluções por meio da revolta política.

(1396.7) 127:2.2 Um grupo de organizadores, de Jerusalém, chegou na Galiléia e estava obtendo êxito quando se apresentou em Nazaré. Vieram para ver Jesus, e ele os escutou com atenção e fez muitas perguntas, mas se recusou a aderir ao partido. Não quis revelar as razões que tinha, para não aderir, e a sua recusa teve o efeito de manter à parte também muitos dos seus companheiros jovens de Nazaré.

(1397.1) 127:2.3 Maria tudo fez para induzi-lo a aderir, mas não conseguiu levá-lo a ceder em nada. Ela chegou mesmo a insinuar que a recusa, em aceder ao pedido dela, de abraçar a causa nacionalista, fosse insubordinação dele, uma violação da sua promessa, feita ao voltarem de Jerusalém, de que ele seria obediente aos seus pais; contudo, em resposta a essa insinuação, ele apenas colocou gentilmente a mão no ombro dela e, olhando em seu rosto, disse: “Minha mãe, como pudeste?” E Maria retratou-se.

(1397.2) 127:2.4 Um dos tios de Jesus (Simão, irmão de Maria) havia já aderido a esse grupo, tornando-se depois oficial na divisão da Galiléia. E, durante vários anos, houve algo como um estranhamento entre Jesus e o seu tio.

(1397.3) 127:2.5 No entanto outras encrencas mais começaram a acontecer em Nazaré. A atitude de Jesus, nessas questões, havia gerado uma cisão entre os jovens judeus da cidade. Cerca da metade estava ligada à organização nacionalista, e a outra metade começou a formar um grupo de oposição, de patriotas moderados, esperando que Jesus assumisse a liderança. E ficaram estupefatos quando Jesus recusou a honra que lhe havia sido oferecida, dando como desculpa as suas pesadas responsabilidades familiares, coisa que todos admitiram. Mas a situação ficou ainda mais complicada quando, pouco depois, um judeu abastado, Isaac, que emprestava dinheiro aos gentios, adiantou-se, concordando em sustentar a família de Jesus, se ele deixasse as suas ferramentas e assumisse a liderança desses patriotas de Nazaré.

(1397.4) 127:2.6 Jesus, então, mal havendo completado dezessete anos de idade, encontrou-se frente a uma situação das mais delicadas e difíceis do princípio da sua vida. As questões de patriotismo, especialmente quando complicadas por uma opressão estrangeira na coleta de impostos, são sempre difíceis de lidar, para os líderes espirituais, e sem dúvida assim se deu nesse caso, já que a religião judaica encontrava-se envolvida em toda essa agitação contra Roma.

(1397.5) 127:2.7 A posição de Jesus tornou-se ainda mais difícil porque a sua mãe e o tio, e até mesmo Tiago, o seu primeiro irmão, todos, pressionaram-no para unir-se à causa nacionalista. Os melhores judeus de Nazaré haviam sem exceção aderido, e aqueles jovens todos, que não tinham aderido ao movimento, alistar-se-iam no momento em que Jesus mudasse de idéia. E ele não possuía senão um conselheiro sábio, em toda a Nazaré, e este era o chazam, o seu velho professor o qual lhe aconselhou sobre a sua decisão ao comitê dos cidadãos de Nazaré, quando viessem perguntar-lhe sobre a sua resposta ao apelo público que havia sido feito. Em toda a sua jovem vida essa era, de fato, a primeira vez que Jesus recorria conscientemente a uma manobra pública de estratégica. Até então, contara sempre com uma exposição franca da verdade, para esclarecer as situações, mas agora não podia declarar toda a verdade. Não podia dar a entender que fosse mais do que um homem; não podia desvelar a idéia da missão que o esperava, até que alcançasse uma idade mais madura. A despeito de todas essas limitações, a sua fidelidade religiosa e a sua lealdade nacional estavam diretamente em jogo. A sua família estava em tumulto, os seus amigos de juventude divididos, e todo o contingente judeu da cidade estava em ebulição. E pensar que ele era considerado o responsável por tudo aquilo! Mas quão inocente ele fora quanto à intenção de causar quaisquer complicações e, menos ainda, uma conturbação daquela espécie.

(1397.6) 127:2.8 Algo tinha de ser feito. Jesus devia reafirmar a sua posição, e foi o que fez, brava e diplomaticamente, para a satisfação de muitos, mas não de todos. Manteve-se nos termos do seu argumento inicial, sustentando que o seu primeiro dever era para com a sua família, que uma mãe viúva e oito irmãos e irmãs necessitavam de algo mais do que o dinheiro poderia comprar — as necessidades físicas da vida — , que eles tinham direito aos cuidados e à orientação de um pai, e que ele não podia, em sã consciência, eximir-se da obrigação colocada em seus ombros por um acidente cruel. Elogiou a sua mãe e o seu irmão Tiago, o de mais idade, por terem tido a boa vontade de liberá-lo, mas reiterava que a sua lealdade a um pai morto o proibia de deixar a família, não importava quanto dinheiro viesse a ser dado para o sustento material deles, fazendo a inesquecível afirmação de que “o dinheiro não pode amar”. No decorrer da sua fala, Jesus fez várias referências veladas à sua “missão de vida”, explicando que, esta, independentemente de ser compatível ou não com idéias de militarismo, como tudo o mais na sua vida, havia sido deixada de lado para que ele pudesse ser capaz de desincumbir-se fielmente do seu compromisso com a família. Todos em Nazaré sabiam bem que ele era um bom pai para a sua família, e essa questão ficava tão próxima do coração de todos os judeus nobres, que o pretexto alegado por Jesus havia encontrado uma reação de boa apreciação nos corações de muitos dos seus ouvintes; e alguns daqueles que não estavam com essa boa predisposição ficaram desarmados por um discurso feito por Tiago, o qual, ainda que não estando no programa, foi pronunciado nesse momento. Naquele mesmo dia o chazam tinha ensaiado esse discurso com Tiago, mas isso havia sido mantido como um segredo deles.

(1398.1) 127:2.9 Tiago declarou que ele estava certo de que Jesus ajudaria a libertar o seu povo, se ele (Tiago) tivesse idade suficiente para assumir a responsabilidade pela família, mas que, caso apenas eles consentissem que Jesus permanecesse “conosco, sendo o nosso pai e mestre, então eles teriam não só um líder na família de José, mas em breve cinco leais nacionalistas, pois não há cinco de nós rapazes prontos para crescer e, sob a liderança do nosso pai-irmão, servir a nossa nação?” E assim o menino trouxe um final bem feliz a uma situação bastante tensa e ameaçadora.

(1398.2) 127:2.10 A crise chegara ao fim, pelo momento, mas esse incidente nunca foi esquecido em Nazaré. A agitação perdurou; não mais Jesus estava nas graças de um favorecimento universal; a divisão dos sentimentos nunca foi totalmente superada. E, agravada por outras ocorrências subseqüentes, foi essa uma das razões principais pelas quais ele mudou-se para Cafarnaum, anos depois. Daí em diante, Nazaré manteve os seus sentimentos divididos em relação ao Filho do Homem.

(1398.3) 127:2.11 Tiago diplomou-se na escola, nesse ano, e começou a trabalhar em período integral na oficina de carpintaria em casa. Tornara-se um trabalhador inteligente com as ferramentas e, agora, estava encarregado de fazer os balancins e as juntas de arados enquanto Jesus passou a ocupar-se mais com os serviços de acabamento interior e os trabalhos mais delicados de marcenaria.

(1398.4) 127:2.12 Nesse ano, Jesus fez um grande progresso na organização da sua mente. Gradualmente, vinha ele conseguindo harmonizar as suas naturezas divina e humana, e conseguira toda essa organização do seu intelecto por força das suas próprias decisões e apenas com a ajuda do seu Monitor residente, exatamente o mesmo Monitor que todos os mortais normais, em todos os mundos de pós- outorga, têm dentro das suas mentes. Até então, nada de supranatural havia acontecido, na carreira desse jovem, excetuando-se a visita de um mensageiro que certa vez aparecera para ele durante a noite em Jerusalém, despachado por Emanuel, o seu irmão mais velho.

3. O Décimo Oitavo Ano (12 d.C.)

(1398.5) 127:3.1 Durante esse ano, todas as propriedades da família, exceto a casa e o jardim, foram liquidadas. A última peça de propriedade, em Cafarnaum (exceto parte de uma outra) a qual já estava hipotecada, foi vendida. O que receberam foi usado nos impostos, na compra de algumas novas ferramentas para Tiago e no pagamento de uma dívida, devido à posse da loja de suprimento e reparos, que há muito servia à família, perto da parada das caravanas, e que Jesus agora propunha comprar de volta, já que Tiago tinha idade suficiente para trabalhar na oficina da casa e ajudar Maria com o lar. Com a pressão financeira assim aliviada momentaneamente, Jesus decidiu levar Tiago à Páscoa. E saíram para Jerusalém, com um dia de folga, para ficarem a sós, passando por Samaria. Foram caminhando, e Jesus contou a Tiago sobre os locais históricos do percurso, do modo como o seu pai havia ensinado a ele durante uma viagem semelhante, cinco anos antes.

(1399.1) 127:3.2 Ao passarem por Samaria, viram muitos espetáculos estranhos. Nessa viagem puderam falar de muitos dos problemas pessoais, familiares e nacionais. Tiago era o tipo de jovem bem religioso e, embora não concordasse plenamente com a sua mãe a respeito do pouco que sabia sobre os planos para o trabalho da vida de Jesus, esperava ansiosamente que chegasse o momento em que fosse capaz de assumir a responsabilidade pela família, para que Jesus pudesse começar a sua missão. Apreciava muito que Jesus o estivesse levando à Páscoa e, mais abertamente do que nunca, conversaram sobre o futuro.

(1399.2) 127:3.3 Jesus pensou muito enquanto atravessavam Samaria, particularmente em Betel, e enquanto bebiam do poço de Jacó. Ele e o seu irmão conversaram sobre as tradições de Abraão, Isaac e Jacó. Jesus empenhou-se muito em preparar Tiago para aquilo que este devia testemunhar em seguida em Jerusalém, procurando assim minimizar o impacto que ele próprio experimentara na sua primeira visita ao templo. Mas Tiago não era tão sensível a algumas dessas cenas. Comentou sobre o modo rotineiro e duro com o qual alguns dos sacerdotes executavam os seus deveres, mas no todo Tiago gostou muito da sua permanência em Jerusalém.

(1399.3) 127:3.4 Jesus levou Tiago a Betânia para a ceia Pascal. Simão tinha falecido e descansava ao lado dos seus pais e Jesus ocupou o lugar do chefe da família na cerimônia Pascal, havendo trazido o cordeiro pascal do templo.

(1399.4) 127:3.5 Depois da ceia de Páscoa, Maria assentou-se para conversar com Tiago, enquanto Marta, Lázaro e Jesus conversaram até bem tarde da noite. No dia seguinte foram aos serviços no templo, e Tiago foi recepcionado na comunidade de Israel. Naquela manhã, quando pararam no cume do monte das Oliveiras, para ver o templo, enquanto Tiago expressava a sua admiração, Jesus contemplou Jerusalém em silêncio. Tiago não pode compreender o comportamento do irmão. Naquela noite, novamente, eles retornaram a Betânia e teriam partido para casa no dia seguinte, mas Tiago insistiu em irem visitar de novo o templo, dizendo que queria escutar os mestres. E, se bem que isso fosse verdade, secretamente no fundo do seu coração, o que ele queria mesmo era ver Jesus participar das discussões, como ele tinha ouvido a sua mãe contar. Assim, foram ao templo e ouviram as discussões, mas Jesus não fez nenhuma pergunta. Tudo aquilo pareceu pueril e insignificante por demais para aquela mente de homem e de Deus que despertava — ele conseguia apenas sentir piedade deles. Tiago estava decepcionado, porque Jesus nada dissera. E, às perguntas do irmão, Jesus apenas respondeu: “Minha hora ainda não chegou”.

(1399.5) 127:3.6 No dia seguinte, viajaram para casa pelo caminho de Jericó e pelo vale do Jordão, e Jesus contou muitas coisas no caminho, inclusive falou sobre a sua viagem anterior pela mesma estrada, quando tinha treze anos de idade.

(1399.6) 127:3.7 Ao retornar a Nazaré, Jesus começou a trabalhar na velha loja de reparos da família e achava-se muito contente por estar sendo capaz de se encontrar com tanta gente, de todos os cantos do país e dos distritos vizinhos, que vinha todos os dias. Jesus amava o povo verdadeiramente — toda a gente comum. E todos os meses ele fazia o pagamento da loja e, com a ajuda de Tiago, continuava a manter a família.

(1399.7) 127:3.8 Várias vezes por ano, sempre que não havia visitantes para desempenhar essa função, Jesus continuava a ler as escrituras aos sábados na sinagoga e, muitas vezes, oferecia comentários sobre a leitura, mas usualmente selecionava as passagens para as quais os comentários seriam desnecessários. Ele era hábil, e arranjava a ordem de leitura das várias passagens, de modo que uma iluminaria a outra. Ele nunca deixou, quando o tempo permitia, de levar os seus irmãos e irmãs nas tardes de sábado, para os seus passeios junto à natureza.

(1400.1) 127:3.9 Nessa época o chazam inaugurou um clube de jovens para uma discussão filosófica, que se reunia em casas de diferentes membros e, muitas vezes, na sua própria casa, e Jesus tornou-se um membro proeminente desse grupo. Assim, pois, ele capacitava-se a recuperar um pouco do seu prestígio local, perdido na época das recentes controvérsias nacionalistas.

(1400.2) 127:3.10 A sua vida social, ainda que restrita, não estava de todo negligenciada. Tinha muitos amigos calorosos e admiradores fervorosos, tanto entre os jovens rapazes, quanto entre as moças de Nazaré.

(1400.3) 127:3.11 Em setembro, Isabel e João vieram visitar a família em Nazaré. João, havendo perdido o seu pai, tinha a intenção de voltar para as colinas da Judéia e ocupar-se da agricultura e cuidar de rebanhos, a menos que Jesus o aconselhasse a permanecer em Nazaré para tornar-se carpinteiro ou para fazer alguma outra espécie de trabalho. Eles não sabiam que a família de Nazaré estava praticamente sem um tostão. Quanto mais Maria e Isabel conversavam sobre os seus filhos, mais ficavam convencidas de que seria bom para os dois jovens homens trabalharem juntos e verem um pouco mais um ao outro.

(1400.4) 127:3.12 Jesus e João tiveram várias conversas; e falaram sobre muitas questões íntimas e pessoais. Quando terminaram esse encontro, decidiram não mais se ver, até que se encontrassem no ministério público depois que “o Pai celeste chamasse” a ambos para o serviço. João ficara fortemente impressionado por tudo que vira em Nazaré; e, assim, devia retornar à casa e trabalhar para sustentar a sua mãe. Estava convencido de que seria uma parte da missão da vida de Jesus, mas percebeu que Jesus deveria ocupar-se, por muitos anos ainda, com a criação da sua família; e assim, pois, ele ficava mais contente ainda por retornar à sua casa e estabelecer-se, cuidando da pequena fazenda deles e atendendo às necessidades da sua mãe. E nunca mais João e Jesus se viram, até o dia em que o Filho do Homem apresentou-se para o batismo, no Jordão.

(1400.5) 127:3.13 No dia 3 de dezembro desse ano, um sábado, à tarde, pela segunda vez, a morte atingiu essa família de Nazaré. O pequeno Amós, o irmão ainda bebê morreu depois de ficar doente por uma semana, com uma febre alta. Depois de passar o tempo da tristeza, mantendo o seu primogênito como único apoio, Maria afinal, no sentido mais pleno, reconheceu Jesus como sendo realmente o chefe da família; e ele estivera realmente sendo digno de sê-lo.

(1400.6) 127:3.14 Por quatro anos o padrão de vida deles declinou de fato; ano após ano sentiram o aperto crescente da pobreza. No final desse ano enfrentaram uma das mais difíceis experiências de todas as suas árduas lutas. Tiago não havia ainda começado a ganhar bem, e as despesas de um funeral, somadas a todo o restante, vinha consterná-los ainda mais. Jesus, todavia, diria apenas à sua mãe, ansiosa e triste: “Mãe Maria, a tristeza não vai nos ajudar; estamos todos dando o melhor de nós, e o sorriso da mãe bem que poderia nos inspirar a fazermos ainda melhor. Dia a dia somos fortalecidos para essas tarefas, pela nossa esperança de dias melhores que virão”. O seu otimismo sólido e prático era verdadeiramente contagiante; todas as crianças viviam em uma atmosfera de antecipação de tempos melhores e de coisas melhores. E a coragem esperançosa de Jesus contribuiu poderosamente para desenvolver neles um caráter forte e nobre, a despeito da pobreza deprimente que atravessavam.

(1400.7) 127:3.15 Jesus possuía a capacidade de mobilizar efetivamente todos os seus poderes de mente, alma e corpo, para a tarefa imediatamente à mão. Era capaz de concentrar a sua mente em profundos pensamentos, no problema que queria resolver, e isso, junto com a sua paciência inexaurível, fazia-o capaz de resistir serenamente às provações de uma existência mortal difícil — de viver como se estivesse “vendo Aquele que é Invisível”.

4. O Décimo Nono Ano (13 d.C.)

(1401.1) 127:4.1 Nessa época, Jesus e Maria estavam entendendo-se muito melhor. Ela considerava- o menos como um filho; ele havia transformado-se mais em um pai para os filhos dela. A vida de cada dia estava repleta de dificuldades práticas e imediatas. E falavam menos freqüentemente da obra da vida dele, com o passar do tempo, e o pensamento de cada um deles estava devotado de ambas as partes ao sustento e à criação da família de quatro garotos e três meninas.

(1401.2) 127:4.2 No começo desse ano, Jesus havia conquistado totalmente a aceitação da sua mãe para os seus métodos na educação das crianças — o estímulo positivo para que fizessem o bem, em lugar do velho método judeu de proibir de fazer o mal. Na sua casa, e em toda a sua carreira de ensinamento público, Jesus invariavelmente empregou a forma positiva de exortação. Sempre, e em todos os lugares, ele dizia: “Tu devias fazer isso — deverias fazer aquilo”. Ele nunca empregava o modo negativo de ensinar, que se derivava de tabus antigos. Ele evitava colocar ênfase no mal, proibindo-o, e ao mesmo tempo exaltava o bem por exigir que ele fosse feito. A hora da prece no lar era a ocasião para discutir toda e qualquer coisa relativa ao bem-estar da família.

(1401.3) 127:4.3 Jesus tão sabiamente disciplinou os seus irmãos e irmãs, desde a mais tenra idade, que pouca ou quase nenhuma punição jamais se fazia necessária para assegurar a obediência pronta e sincera deles. A única exceção era Judá, a quem, em diversas ocasiões, Jesus julgou necessário impor penalidades, pelas suas infrações às regras da casa. Em três ocasiões, quando foi considerado sábio punir Judá por violações deliberadas e confessas das regras de conduta da família, a sua punição foi fixada por decisão unânime dos irmãos mais velhos, sendo consentida pelo próprio Judá, antes de ser ministrada.

(1401.4) 127:4.4 Ao mesmo tempo em que Jesus era muito metódico e sistemático, em tudo o que fazia, havia também, em todas as suas decisões administrativas, uma elasticidade saudável e benevolente de interpretação e uma individualidade de adaptação que impressionavam muito a todas crianças, pelo espírito de justiça com que atuava o seu pai-irmão. Ele nunca disciplinava os seus irmãos e irmãs arbitrariamente, e essa equanimidade uniforme e essa consideração pessoal faziam com que Jesus fosse muito querido em toda a sua família.

(1401.5) 127:4.5 Tiago e Simão cresceram tentando seguir o plano de Jesus, de aplacar os seus companheiros belicosos, e, algumas vezes irados, pela persuasão e pela não-resistência, no que haviam tido bastante êxito; mas José e Judá, ao mesmo tempo em que consentiam nessa educação em casa, apressavam-se em defender a si próprios, quando atacados pelos seus camaradas; Judá em particular era culpado de violar o espírito desses ensinamentos. A não-resistência, porém, não era uma regra da família. Nenhuma penalidade estava relacionada à violação dos ensinamentos pessoais.

(1401.6) 127:4.6 Em geral, todas as crianças, particularmente as meninas, consultavam Jesus sobre os problemas da sua infância e confiavam nele exatamente como teriam feito com um pai afeiçoado.

(1401.7) 127:4.7 Tiago crescia como um jovem bem equilibrado e de temperamento equilibrado, mas ele não era inclinado, como Jesus, para a espiritualidade. Era um estudante melhor do que José, o qual, ainda que sendo um trabalhador fiel, tinha uma mente ainda menos espiritualizada. José era laborioso e não tinha aptidões intelectuais, no mesmo nível das outras crianças. Simão era um menino bem-intencionado, mas muito sonhador. Ele foi lento para se estabelecer na vida e era a causa de uma ansiedade considerável para Jesus e Maria. Mas foi sempre um menino bom e bem-intencionado. Judá era um pavio de fogo. Possuía o mais alto dos ideais, mas tinha um temperamento pouco estável. Apresentava toda a determinação e o dinamismo da sua mãe, e mais ainda, mas faltava-lhe o senso da proporção e a discrição dela.

(1402.1) 127:4.8 Míriam era uma filha bem equilibrada e de cabeça sensata, com uma apreciação aguçada das coisas nobres e espirituais. Marta era lenta de pensamento e ação, mas uma criança muito confiável e eficiente. A irmã Rute, ainda bebê, era o raio de sol da casa; embora impensada para falar, era muito sincera de coração. Ela simplesmente adorava o seu irmão maior e pai. Mas eles não a estragaram com mimos. Ela era uma criança linda, mas não tão formosa quanto Míriam, que era a beleza da família, se não da cidade.

(1402.2) 127:4.9 Com o passar do tempo, Jesus fez bastante para liberalizar e modificar a educação e as práticas da família, no que dizia respeito à observação do sábado e em muitos outros aspectos da religião e, para todas essas mudanças, Maria deu o seu consentimento sincero. Jesus tinha-se transformado, nessa época, no chefe inquestionável da casa.

(1402.3) 127:4.10 Nesse ano, Judá começou a ir à escola e foi necessário que Jesus vendesse a sua harpa, com o intuito de fazer frente a essas despesas. E assim desapareceu o último dos seus prazeres de recreação. Ele gostava muito de tocar harpa quando estava com a mente cansada e o corpo exaurido, mas consolou-se com o pensamento de que ao menos a harpa estaria a salvo de ser apreendida pelo coletor de impostos.

5. Rebeca, a Filha de Ezdras

(1402.4) 127:5.1 Embora Jesus fosse pobre, o seu nível social em Nazaré não era de forma nenhuma prejudicado. Era um dos jovens mais destacados da cidade e altamente considerado pela maioria das moças. Posto que Jesus fosse um espécime tão esplêndido de robustez física e de desenvolvimento intelectual masculino, e, considerando a sua reputação de líder espiritual, não era de se estranhar que Rebeca, a filha mais velha de Esdras, o abastado mercador e comerciante de Nazaré, descobrisse que, aos poucos, estava apaixonando-se por esse filho de José. Inicialmente ela confessou o seu afeto a Míriam, irmã de Jesus, e Míriam por sua vez falou sobre isso à sua mãe. Maria ficou bastante transtornada. Estaria a ponto de perder o seu filho, logo agora que se tornara o chefe indispensável da família? Será que os problemas nunca acabariam? O que mais poderia acontecer? E, então, ela parou para pensar sobre o efeito que o casamento teria na carreira futura de Jesus; lembrava- se, não freqüentemente, mas algumas vezes pelo menos, do fato de Jesus ser um “filho prometido”. Depois que Míriam e ela conversaram sobre tal questão, decidiram fazer um esforço para acabar com aquilo, antes que Jesus soubesse; e foram diretamente a Rebeca, colocando toda a história diante dela, dizendo honestamente sobre a crença que tinham de que Jesus era um filho do destino; de que ele deveria tornar-se um grande líder religioso, talvez o Messias.

(1402.5) 127:5.2 Rebeca escutou bastante atenta; e, fascinada com o que lhe diziam, estava, mais do que nunca, determinada a tentar a sorte com esse homem da sua escolha e compartilhar com ele a sua carreira de liderança. Ela argumentou (para si própria) que um homem, por ser assim, necessitaria, ainda mais, de uma esposa fiel e eficiente. Ela interpretou os esforços que Maria fizera para dissuadi-la como uma reação natural pelo medo de perder o único apoio e o chefe da família; mas, sabendo que o seu pai aprovava a sua atração pelo filho do carpinteiro, ela reconheceu que fosse justo dar-lhe a satisfação de poder suprir a família de Jesus com uma renda suficiente para compensar plenamente a perda dos ganhos dele. Quando o seu pai concordou com esse plano, Rebeca teve outras conversas com Maria e Míriam e, quando viu que não conseguiria o apoio delas, ela tomou coragem para ir diretamente a Jesus. E o fez, com a cooperação do seu pai, que convidou Jesus à sua casa para a comemoração do décimo sétimo aniversário de Rebeca.

(1403.1) 127:5.3 Jesus ouviu de modo atento e compassivo a exposição daquelas coisas, feita primeiramente pelo pai, e depois pela própria Rebeca. Respondeu gentilmente que, com efeito, nenhuma soma de dinheiro poderia tomar o lugar da sua obrigação de criar pessoalmente a família do seu pai, de “cumprir o mais sagrado de todos os encargos humanos — a lealdade à sua própria carne e sangue”. O pai de Rebeca ficou profundamente tocado pela devoção de Jesus à família e retirou-se da conversa. A única observação que fez a Maria, a sua esposa, foi: “Não poderemos tê-lo como filho; ele é nobre demais para nós”.

(1403.2) 127:5.4 E então começou aquela conversa extraordinária com Rebeca. Até então, na sua vida, Jesus fizera pouca distinção na sua relação com os meninos e as meninas, com os jovens e as moças. Tinha estado muito ocupado com a premência das questões terrenas e práticas, e a sua mente estivera intrigada demais com a contemplação da sua carreira final “de cuidar dos assuntos do seu Pai”, para que ele pudesse chegar a considerar com seriedade a consumação de um amor pessoal, em um casamento humano. Agora, no entanto, se via frente a frente com mais um desses problemas com os quais todos os seres humanos comuns têm de confrontar-se e optar. De fato foi ele “testado, sob todos os aspectos, como vós o sois”.

(1403.3) 127:5.5 Depois de escutar com atenção, ele agradeceu sinceramente a Rebeca, pela admiração exprimida por ela, acrescentando, “isso irá alegrar-me e confortar-me por todos os dias da minha vida”. E explicou que não era livre para, com qualquer mulher, ingressar em relações, a não ser aquelas de uma consideração de irmandade simples e de pura amizade. Deixou claro que o seu primeiro e mais importante dever era criar a família do seu pai, que ele não poderia considerar o casamento até que o seu dever estivesse cumprido; e, então, acrescentou: “Se sou um filho predestinado, não devo assumir obrigações que durem toda uma vida; até o momento em que o meu destino se torne manifestado”.

(1403.4) 127:5.6 Rebeca ficou com o coração partido. Não aceitou ser consolada e insistiu com o seu pai para que se transferissem de Nazaré, até que finalmente ele consentiu em mudar-se para Séforis. Nos anos que se seguiram, aos muitos homens que queriam a sua mão em casamento, Rebeca não tinha senão uma resposta. Vivia para um só propósito: o de aguardar a hora em que aquele, que para ela era o maior homem que jamais vivera, começasse a sua carreira como um mestre da verdade viva. E ela seguiu-o com devoção durante os seus anos memoráveis de trabalho público, estando presente (sem que Jesus a percebesse) naquele dia em que ele chegou triunfalmente em Jerusalém; e esteve “entre as outras mulheres”, ao lado de Maria, naquela tarde fatídica e trágica em que o Filho do Homem estava na cruz, pois, para ela, bem como para mundos incontáveis no alto, ele era “o único digno do amor total e o maior entre dez mil”.

6. O Seu Vigésimo Ano (14 d.C.)

(1403.5) 127:6.1 A história do amor de Rebeca por Jesus foi sussurrada em toda a Nazaré; e, mais tarde, em Cafarnaum, de um modo tal que, se bem que nos anos que viriam muitas mulheres houvessem amado Jesus, do mesmo modo que homens o amaram, ele não teria novamente que rejeitar a oferta pessoal da devoção de outra mulher de bem. Dessa época em diante o afeto humano por Jesus pertencia mais à natureza da adoração e da consideração cultuadora. Tanto homens quanto mulheres o amavam com devoção e pelo que ele era, não com quaisquer intenções de satisfação própria nem com desejo de posse por afeto. Mas, durante muitos anos, sempre que a história da personalidade humana de Jesus era contada, a devoção de Rebeca seria relatada.

(1404.1) 127:6.2 Míriam, sabendo plenamente sobre o caso de Rebeca e sabendo que o seu irmão havia renunciado, mesmo, ao amor de uma bela moça (ainda que sem imaginar o que seria a sua carreira futura como predestinado), veio a idealizar Jesus e a amá-lo com a afeição tocante e profunda que se dedica a um pai bem como a um irmão.

(1404.2) 127:6.3 Ainda que não tivesse condições para tal, Jesus teve um estranho desejo de ir a Jerusalém para a Páscoa. A sua mãe, sabendo da sua recente experiência com Rebeca, sabiamente o encorajou a fazer tal viagem. Ele não estava consciente disso, mas o que mais queria era uma oportunidade de conversar com Lázaro e de estar com Marta e Maria. Como à sua própria família, era a esses três que ele mais amava.

(1404.3) 127:6.4 Ao fazer essa viagem a Jerusalém, ele foi pelo caminho de Meguido, Antipátris e Lida, em parte seguindo pela mesma rota pela qual tinha passado quando, do seu retorno do Egito, havia sido trazido de volta a Nazaré. Gastou quatro dias para ir à Páscoa e refletiu bastante sobre os acontecimentos passados, que tinham tido lugar em Meguido e nos seus arredores, campo de batalha internacional da Palestina.

(1404.4) 127:6.5 Jesus passou por Jerusalém, parando apenas para olhar o templo e as multidões de visitantes. Teve uma aversão estranha e crescente por esse templo construído por Herodes, com o seu sacerdócio designado politicamente. Ele queria mais que tudo ver Lázaro, Marta e Maria. Lázaro tinha a mesma idade de Jesus e agora era o chefe da casa; na época dessa visita, a mãe de Lázaro havia morrido também. Marta era um ano e pouco mais velha que Jesus, enquanto Maria era dois anos mais nova. E Jesus era o ideal, idolatrado por todos os três.

(1404.5) 127:6.6 Nessa visita ocorreu uma das suas manifestações periódicas de rebelião contra a tradição — a expressão do ressentimento por aquelas práticas cerimoniais que Jesus considerava representarem mal o seu Pai do céu. Não sabendo que Jesus estava vindo, Lázaro havia arranjado para celebrar a Páscoa com amigos, em uma aldeia vizinha, na estrada de Jericó. Jesus então propôs que celebrassem a festa onde eles estavam, na casa de Lázaro. “Mas”, disse Lázaro, “não temos um cordeiro pascal”. E então Jesus começou uma dissertação prolongada e convincente, para mostrar que o Pai no céu não estava verdadeiramente interessado nesses rituais infantis e sem sentido. Depois de uma prece solene e fervorosa, eles levantaram-se e Jesus disse: “Deixai que as mentes pueris e obscuras do meu povo sirvam ao seu Deus como Moisés mandava; é bom que o façam, mas nós, que vimos a luz da vida, cessemos de aproximar-nos do nosso Pai pelo caminho escuro da morte. Sejamos livres no conhecimento da verdade do amor eterno do nosso Pai eterno”.

(1404.6) 127:6.7 Naquele anoitecer, à hora do crepúsculo, esses quatro assentaram-se e partilharam a primeira festa da Páscoa jamais celebrada por devotos judeus sem o cordeiro pascal. O pão sem levedo e o vinho haviam sido preparados para essa Páscoa e, esses símbolos aos quais Jesus chamou de “o pão da vida” e “a água da vida”, ele os serviu aos seus companheiros e eles comeram, adequando-se solenemente aos ensinamentos que acabavam de ser ministrados. Jesus passou então a ter o hábito de fazer esse ritual de sacramento quando, depois disso, fazia visitas a Betânia. Quando voltou para a casa, contou tudo isso à sua mãe. Ela ficou chocada, inicialmente, mas gradualmente conseguiu compartilhar do ponto de vista dele; entretanto, ficou muito aliviada quando Jesus assegurou-lhe que não tinha a intenção de introduzir essa nova idéia da Páscoa na própria família. Em casa, com as crianças, ele continuou, ano após ano, a comer durante a Páscoa “segundo a lei de Moisés”.

(1404.7) 127:6.8 Foi durante esse ano que Maria teve uma longa conversa com Jesus sobre o casamento. Ela perguntou-lhe francamente se ele se casaria, caso ficasse livre das suas responsabilidades para com a família. Jesus explicou a ela que, posto que o dever imediato proibia o seu casamento, ele não havia pensado muito nisso. E expressava-se como se duvidasse de que jamais fosse chegar ao ponto de contrair matrimônio; e disse que essas coisas deviam esperar “a minha hora”, o momento em que “o trabalho do meu Pai deve ser iniciado”. Tendo já estabelecido na sua mente que não seria pai de crianças na carne, pouquíssimo havia pensado sobre a questão do casamento humano.

(1405.1) 127:6.9 Nesse ano, Jesus retomou a tarefa de fundir mais ainda as suas naturezas mortal e divina, em uma individualidade humana única e efetiva. E continuou a crescer em estatura moral e em compreensão espiritual.

(1405.2) 127:6.10 Embora todas as propriedades de Nazaré (exceto a casa deles) houvessem já sido liquidadas, nesse ano receberam uma pequena ajuda financeira, da venda de uma pequena participação em uma propriedade em Cafarnaum. Essa era a última de todas as propriedades imobiliárias de José. Esse negócio imobiliário em Cafarnaum foi feito com um construtor de barcos de nome Zebedeu.

(1405.3) 127:6.11 José graduou-se na escola da sinagoga, nesse ano, e preparou-se para começar a trabalhar na pequena bancada na oficina de carpinteiro da casa. Apesar de as propriedades do pai deles haverem acabado, surgia a perspectiva de poderem lutar com êxito contra a pobreza, já que três dos filhos agora trabalhavam regularmente.

(1405.4) 127:6.12 Rapidamente Jesus está tornando-se um homem feito, não apenas um jovem, mas um adulto. Aprende a suportar a responsabilidade; e já sabe como perseverar na presença de decepções. Comporta-se bravamente, quando os seus planos são contrariados e os propósitos temporariamente derrotados. Aprende como ser equânime e justo, mesmo, diante da injustiça. Está aprendendo como ajustar os seus ideais da vida espiritual às demandas práticas da existência terrena. Aprende como planejar a realização de uma meta mais elevada e distante, de idealismo, enquanto labuta honestamente para a realização de um fim de alcance mais imediato, por necessidade. Com desenvoltura avança na arte de ajustar as suas aspirações às demandas banais da condição humana. Já conquistara praticamente a mestria da técnica de utilizar a energia do impulso espiritual para fazer girar o mecanismo da realização material. Está aprendendo de vagar como viver a vida celeste, enquanto continua na sua existência terrena. Mais e mais Jesus acolhe o direcionamento último do seu Pai celeste, enquanto assume o papel paterno de guiar e direcionar as crianças da sua família terrena. Está tornando-se experiente em arrancar a vitória do âmago da própria mandíbula da derrota; e está aprendendo como transformar as dificuldades do tempo nos triunfos da eternidade.

(1405.5) 127:6.13 E assim, com o passar dos anos, este jovem de Nazaré continua experienciando a vida como é vivida na carne mortal, nos mundos do tempo e do espaço. Vive uma vida plena, representativa e repleta em Urântia. E deixou este mundo já amadurecido e tendo a experiência pela qual as suas criaturas passam durante os curtos mas árduos anos da primeira vida das mesmas, a vida na carne. E toda esta experiência humana é uma posse eterna do Soberano do Universo. Ele é o nosso irmão compreensivo, o amigo compassivo, o soberano experiente e o pai misericordioso.

(1405.6) 127:6.14 Enquanto criança, acumulara um vasto corpo de conhecimentos; enquanto jovem, ele ordenou, classificou e correlacionou essas informações; e agora, como homem deste reino, começa a organizar essas posições mentais, preparatórias que são, para utilizá-las nos seus ensinamentos posteriores, na ministração e no serviço em prol dos seus irmãos mortais deste mundo e de todas as outras esferas habitadas de todo o universo de Nébadon.

(1405.7) 127:6.15 Nascido no mundo como um bebê do reino, Jesus viveu a sua infância e passou pelos estágios sucessivos da adolescência e da juventude; e agora se encontra no umbral da plena idade madura, enriquecido com a experiência de uma vida de homem, repleta do entendimento da natureza humana, e plena de compaixão pelas fragilidades dessa natureza. Ele está transformando-se em um especialista na arte divina de revelar o seu Pai do Paraíso, a todas as idades e estágios das criaturas mortais.

(1406.1) 127:6.16 E pois, agora, como um homem plenamente desenvolvido — um adulto deste reino — , ele prepara-se para continuar a sua missão suprema de revelar Deus aos homens e de conduzir os homens a Deus.

Os Dois Anos Cruciais

Documento 126

(1386.1) 126:0.1 De todas as experiências de Jesus, na sua vida na Terra, o décimo quarto e o décimo quinto anos foram os mais cruciais. Esses dois anos, após haver-se tornado autoconsciente da sua própria divindade e destino e antes do momento em que começaria a se comunicar, de um modo mais amplo com o seu Ajustador residente, foram os anos de maior provação da sua movimentada vida em Urântia. É esse período de dois anos que deveria ser chamado de a grande prova, a tentação real. Nenhum ser humano jovem, passando pelas primeiras confusões e ajustamentos aos problemas da adolescência, jamais experimentou um teste mais crucial do que aquele pelo qual Jesus passou durante essa transição até a adolescência e a maturidade.

(1386.2) 126:0.2 Esse importante período de desenvolvimento, na juventude de Jesus, começou com a conclusão da visita a Jerusalém e o retorno a Nazaré. A princípio, Maria estava feliz com o pensamento de que, uma vez mais o seu filho estava de volta e que Jesus havia voltado para casa para ser um filho dócil — não que ele tivesse jamais sido de um outro modo — e que ele seria, daí em diante, mais sensível aos planos que ela havia feito para a sua vida no futuro. Mas não seria por muito tempo que ela iria aquecer-se ao calor desse sol de ilusão maternal e de orgulho familiar inconsciente; logo iria desiludir-se mais completamente. Cada vez mais o jovem permanecia apenas em companhia do seu pai, e menos vinha até ela trazendo os seus problemas; mas, ao mesmo tempo, ambos não conseguiam compreender as freqüentes alternâncias dele, entre os assuntos deste mundo e a contemplação da sua relação com os assuntos do seu Pai celeste. Dizendo com franqueza, eles não o compreendiam, mas certamente o amavam.

(1386.3) 126:0.3 À medida que Jesus crescia, a piedade e o amor que tinha pelo povo judeu aprofundavam-se, mas, com o passar dos anos, desenvolveu-se na sua mente um justo ressentimento pela presença, no templo do seu Pai, de sacerdotes politicamente escolhidos. Jesus tinha um grande respeito pelos fariseus sinceros e pelos escribas honestos, mas tinha pelos fariseus hipócritas e pelos teólogos desonestos um grande desprezo; via com desdém todos os líderes religiosos que não eram sinceros. Quando examinava minuciosamente a conduta dos dirigentes de Israel, algumas vezes, ficava tentado a ver favoravelmente a possibilidade de tornar-se o Messias segundo a expectativa dos judeus, mas nunca cedeu a tal tentação.

(1386.4) 126:0.4 A história das suas façanhas diante dos sábios do templo em Jerusalém foi gratificante para toda a Nazaré, especialmente para os seus antigos professores da escola da sinagoga. Durante um certo tempo, um elogio a Jesus estava em todos os lábios. Toda a aldeia relatava a sabedoria da sua infância e a sua conduta meritória, e predizia que ele estava destinado a tornar-se um grande líder de Israel; finalmente um grande mestre estava para sair de Nazaré, na Galiléia. E eles todos se rejubilavam antecipadamente com a época em que ele iria fazer quinze anos de idade, quando lhe seria permitido ler regularmente as escrituras na sinagoga no sábado.

1. O Seu Décimo Quarto Ano (8 d.C.)

(1387.1) 126:1.1 No calendário, esse ano 8 d.C. é o ano do seu décimo quarto aniversário. Ele havia-se transformado em um fabricante de cangas e trabalhava bem com a lona e com o couro. Havia-se tornado rapidamente também um hábil carpinteiro e marceneiro. E nesse verão ele fizera viagens freqüentes até o alto da colina, a noroeste de Nazaré, para orar e meditar. Estava gradativamente ficando mais autoconsciente da natureza da sua auto-outorga na Terra.

(1387.2) 126:1.2 Dessa colina havia sido, há pouco mais de cem anos, “o ponto alto de Baal”; e agora era o local da tumba de Simeão, um renomado homem santo de Israel. Do topo da colina de Simeão, Jesus podia ver toda a Nazaré e o campo à sua volta. Divisava Meguido e lembrava-se da história do exército egípcio tendo a sua primeira grande vitória na Ásia; e de como, mais tarde, outro exército derrotara Josias, o rei judeu. E, não muito ao longe, Jesus podia ver Tanac, onde Débora e Barak derrotaram Sisera. E, ainda, ao longe, podia ver as colinas de Dotan, onde, segundo os ensinamentos, os irmãos de José venderam-no à escravidão egípcia. E, ao voltar a sua vista para Ebal e Gerizim, rememorava-se das tradições de Abraão, de Jacó, e de Abimeleque. E de tudo isso ele se relembrava na sua mente, e revirava os acontecimentos históricos e tradicionais do povo do seu pai José.

(1387.3) 126:1.3 Jesus continuava com os seus cursos avançados de leitura, sob a orientação dos mestres da sinagoga; e também prosseguia dando instrução aos seus irmãos e irmãs, em casa, quando atingiam as idades apropriadas.

(1387.4) 126:1.4 No princípio desse ano, José arranjou um modo de reservar a renda das suas propriedades de Nazaré e Cafarnaum, para pagar o longo curso de Jesus em Jerusalém, tendo sido planejado que ele se mudaria para Jerusalém em agosto do próximo ano, quando fizesse quinze anos de idade.

(1387.5) 126:1.5 Quando começou esse ano, tanto José quanto Maria alimentavam freqüentes dúvidas quanto ao destino do seu primogênito. De fato era uma criança brilhante e adorável, mas era tão difícil de entender, tão duro de penetrar e, por outro lado, nada de extraordinário ou miraculoso jamais vinha dele. Quantas vezes a sua orgulhosa mãe havia aguardado, em uma antecipação quase sem fôlego, à espera de ver o seu filho executar algum feito supra-humano ou miraculoso, mas as suas esperanças eram sempre desfeitas em uma decepção cruel. E tudo isso a deixava desencorajada e mesmo abatida. O povo devoto daqueles dias acreditava, de verdade, que os profetas e os homens prometidos sempre manifestariam a comprovação da sua missão e estabeleceriam a sua autoridade divina realizando milagres e coisas prodigiosas. Mas Jesus não fazia nenhuma dessas coisas; por isso a confusão dos seus pais crescia com o passar do tempo, quando contemplavam o futuro dele.

(1387.6) 126:1.6 A condição econômica melhorada da família de Nazaré refletia-se, de muitos modos, na casa e especialmente no grande número de tábuas brancas lisas que eram usadas como quadros para escrever, as letras sendo feitas com carvão. Jesus também podia retomar as suas aulas de música, pois gostava muito de tocar harpa.

(1387.7) 126:1.7 Durante todo esse ano, pode-se dizer, em verdade, que Jesus “cresceu no favorecimento dos homens e de Deus”. As perspectivas da família pareciam boas; o futuro resplandecia.

2. A Morte de José

(1388.1) 126:2.1 Tudo ia bem até aquela terça-feira fatídica, 25 de setembro, quando um mensageiro de Séforis trouxe a esse lar em Nazaré a trágica notícia de que José havia sido gravemente ferido pela queda de um mastro, enquanto trabalhava na residência do governador. O mensageiro de Séforis havia parado na oficina, a caminho da casa de José, e informara a Jesus sobre o acidente do seu pai, e eles foram juntos até a casa para levar as notícias tristes a Maria. Jesus desejou ir imediatamente até onde estava o seu pai, mas Maria nada escutaria, não quis senão apressar-se para ficar ao lado do seu marido. E decidiu que Tiago, então com dez anos de idade, iria acompanhá-la a Séforis, enquanto Jesus permaneceria em casa com as crianças mais novas, até que ela retornasse, já que não sabia quão seriamente José estava ferido. Mas José morreu por causa dos ferimentos, antes de Maria chegar até ele. Trouxeram-no para Nazaré e, no dia seguinte, foi enterrado junto aos seus pais.

(1388.2) 126:2.2 Logo naquele momento, em que as perspectivas eram boas e o futuro parecia prometedor, uma mão aparentemente cruel abatia-se sobre o pai dessa família de Nazaré. Os assuntos da casa ficaram interrompidos, e todos os planos para Jesus e a sua instrução foram por terra. Este jovem carpinteiro, agora com pouco mais de quatorze anos de idade, despertou para a compreensão de que não apenas tinha de cumprir a missão do seu Pai celeste, de revelar a natureza divina na Terra e na carne, mas que seria necessário que a sua jovem natureza humana assumisse, também, a responsabilidade de tomar conta da sua mãe viúva e de sete irmãos e irmãs — e de um outro mais, que estava para nascer. Este jovem de Nazaré, agora, tornava-se o único esteio e conforto dessa família tão subitamente enlutada. Assim, pois, foram permitidos que ocorressem esses fatos de ordem natural em Urântia, fatos que forçariam este jovem predestinado a assumir tão cedo as responsabilidades tão pesadas, mas altamente educativas e disciplinadoras, de tornar-se o dirigente de uma família humana, de tornar-se pai dos seus próprios irmãos e irmãs, de sustentar e proteger a sua mãe, de funcionar como guardião do lar do seu pai, o único lar no qual viveria enquanto neste mundo.

(1388.3) 126:2.3 Jesus aceitou de bom grado as responsabilidades tão subitamente confiadas a ele e assumiu-as fielmente até o fim. Pelo menos um grande problema e uma dificuldade, que se antecipavam em sua vida, haviam sido resolvidos de forma trágica — não seria agora esperado que ele fosse para Jerusalém, estudar com os rabinos. E continuaria verdadeiro que Jesus “não seria acólito de ninguém”. Ele estava sempre à disposição para aprender, mesmo da mais humilde das criancinhas, mas jamais obteve de fontes humanas a autoridade para ensinar a verdade.

(1388.4) 126:2.4 E, contudo, Jesus nada sabia da visita feita por Gabriel à sua mãe antes do seu nascimento; e soube disso, por meio de João, só no dia do seu batismo, no começo da sua ministração pública.

(1388.5) 126:2.5 Com o passar dos anos, este jovem carpinteiro de Nazaré avaliava cada vez mais aprimoradamente as instituições da sociedade e o uso de cada religião, por meio do invariável teste: O que faz pela alma humana? Ela traz Deus ao homem? Leva o homem a Deus? Conquanto este jovem não negligenciasse os aspectos recreativos e sociais da vida, cada vez mais ele devotava o seu tempo e suas energias a dois propósitos apenas: cuidar da sua família e preparar-se para cumprir, na Terra, a vontade celeste do seu Pai.

(1389.1) 126:2.6 Nesse ano, tornou-se costume os vizinhos aparecerem durante as tardes de inverno, para ouvir Jesus tocar a harpa, para escutar as suas histórias (pois o jovem era mestre em contar histórias); e para escutá-lo lendo partes das escrituras gregas.

(1389.2) 126:2.7 Os assuntos econômicos da família continuavam a correr tranqüilamente, pois havia uma boa soma de dinheiro à mão, no momento da morte de José. Jesus, muito cedo, demonstrou possuir tino e sagacidade para os negócios financeiros. Ele era liberal, mas com simplicidade; era econômico, mas generoso. Revelou-se um administrador sábio e eficiente dos bens do seu pai.

(1389.3) 126:2.8 Contudo, a despeito de tudo o que Jesus e os vizinhos de Nazaré pudessem fazer para trazer alegria àquela casa, Maria, e também as crianças, estavam cheias de tristeza. José havia partido; ele tinha sido excepcional como marido e como pai, e todos sentiam a sua falta. Parecia ainda mais terrivelmente trágico pensar que o seu pai morrera antes que eles pudessem conversar com ele, e antes de receberem uma bênção de despedida.

3. O Décimo Quinto Ano (9 d.C.)

(1389.4) 126:3.1 Em meados do seu décimo quinto ano — e estamos considerando o tempo de acordo com o calendário do século vinte, não pelo ano judeu — , Jesus possuía, sob suas mãos firmes, a direção da sua família. Antes que esse ano tivesse passado, contudo, as economias deles haviam desaparecido e estavam enfrentando a necessidade de dispor de uma das casas de Nazaré, a qual José possuía em sociedade com o seu vizinho Jacó.

(1389.5) 126:3.2 Na quarta-feira, 17 de abril do ano 9 d.C., à noite, nasceu Rute, o bebê da família. E, com a sua melhor disposição, Jesus empenhou-se em ocupar o lugar do seu pai, confortando e ministrando à sua mãe durante essa provação difícil e peculiarmente triste. Por quase vinte anos (até ele começar o seu ministério público) nenhum pai poderia ter amado e cuidado de uma filha com mais afeição e fidelidade do que Jesus cuidou da pequena Rute. E ele foi um pai igualmente bom para todos os outros membros da sua família.

(1389.6) 126:3.3 Durante esse ano, pela primeira vez, Jesus formulou a oração que posteriormente ensinou aos seus apóstolos e que, para muitos, havia-se tornado conhecida como o “O Pai nosso”. Num certo sentido, ela representou o auge do altar familiar; pois eles tinham muitas formas de louvar e várias preces formais. Depois da morte do seu pai, Jesus tentou ensinar às crianças mais velhas como se expressar individualmente na prece — do modo como ele tanto gostava de fazer — , mas elas não podiam compreender o seu pensamento e, inevitavelmente, voltavam às preces memorizadas. E, nesse esforço de estimular os seus irmãos e irmãs maiores a dizer preces individuais, Jesus tentaria conduzi-los por meio de frases sugestivas mas logo, sem intenção da parte dele, acontecia que acabavam todos usando uma forma de oração construída, em grande parte, a partir daquelas linhas sugestivas que Jesus lhes havia ensinado.

(1389.7) 126:3.4 Finalmente Jesus desistiu da idéia de ter todos os membros da família fazendo preces espontâneas e, em uma noite de outubro, ele assentou-se perto da pequena lâmpada, junto à mesa baixa de pedra e, com um pedaço de carvão, escreveu em uma tábua quadrada lisa de cedro, de uns quarenta e cinco centímetros de lado, a oração que, desde aquele momento, tornou-se a prece modelo da sua família.

(1389.8) 126:3.5 Nesse ano Jesus foi bastante atormentado por reflexões confusas. As responsabilidades familiares tinham, de um modo eficaz, apagado todos os pensamentos de cumprir imediatamente qualquer plano que dizia respeito àquilo que a visitação de Jerusalém lhe impunha, no sentido de que ele “cuidasse dos assuntos do seu Pai”. Jesus raciocinou, acertadamente, que cuidar da família terrena do seu pai devia ter precedência sobre todos os deveres; que sustentar a sua família devia tornar-se a sua primeira obrigação.

(1390.1) 126:3.6 No decorrer desse ano, Jesus encontrou uma passagem no chamado Livro de Enoch, que o influenciou na sua adoção futura do termo “Filho do Homem” como designação para a sua missão de autodoação em Urântia. Ele havia cuidadosamente considerado a idéia do Messias judeu e estava firmemente convencido de que ele não seria aquele Messias. Almejava ajudar o povo do seu pai, mas jamais levando exércitos judeus a livrarem a Palestina do domínio estrangeiro. Ele sabia que jamais se assentaria no trono de Davi, em Jerusalém. E também não acreditava que a sua missão fosse a de um libertador espiritual, nem a de um educador moral, apenas para o povo judeu. Em nenhum sentido, portanto, a missão da sua vida poderia vir a ser a concretização da intensa aspiração das supostas profecias messiânicas das escrituras hebraicas; pelo menos, não como os judeus entendiam essas predições dos profetas. Do mesmo modo Jesus estava certo de que nunca apareceria como o Filho do Homem descrito pelo profeta Daniel.

(1390.2) 126:3.7 Mas quando chegasse a hora de sair como um pregador, para o mundo, como iria chamar-se a si mesmo? O que assumiria para essa missão? Por qual nome deveria ser chamado pela gente que iria acreditar nos seus ensinamentos?

(1390.3) 126:3.8 Enquanto repassava todas essas questões na sua mente, ele encontrou, na biblioteca da sinagoga, em Nazaré, entre os livros apocalípticos que havia estudado, esse manuscrito chamado “O Livro de Enoch”; e, embora estivesse certo de que não tinha sido escrito pelo Enoch de outrora, o livro o deixou bastante intrigado; e ele o leu e releu muitas vezes. Havia uma passagem que particularmente o impressionara, uma passagem na qual esse termo “Filho do Homem” aparecia. E o escritor desse chamado Livro de Enoch contava sobre o Filho do Homem, descrevendo o trabalho que ele faria na Terra, explicando que esse Filho do Homem, antes de descer a esta Terra para trazer a salvação à humanidade, havia percorrido as cortes da glória dos céus, com o seu Pai, o Pai de todos; e que ele tinha dado as costas a toda essa grandeza e glória para descer à Terra e proclamar a salvação aos mortais necessitados. À medida que Jesus lia essas passagens (entendendo muito bem que grande parte do misticismo oriental, que havia sido mesclado a esses ensinamentos, era equivocada), ele respondia no seu coração e reconhecia na sua mente que, de todas as predições messiânicas das escrituras dos hebreus e de todas as teorias sobre o libertador judeu, nenhuma estava tão próxima da verdade quanto essa história, relegada a um segundo plano, nesse Livro de Enoch, apenas parcialmente acreditado; e então, ali mesmo, ele decidiu adotar “Filho do Homem” como o seu primeiro nome. E assim foi feito por ele quando, subseqüentemente, começou o seu trabalho público. Jesus possuía uma inequívoca capacidade de reconhecer a verdade; e jamais hesitou em abraçar a verdade, não importava de que fonte ela emanasse.

(1390.4) 126:3.9 Nessa época, já, muito cuidadosamente, ele havia estabelecido diversas coisas sobre o seu trabalho vindouro para o mundo, mas nada disse sobre essas questões à sua mãe, que ainda se apegava ferrenhamente à idéia de que ele deveria ser o Messias judeu.

(1390.5) 126:3.10 A grande confusão dos dias da juventude de Jesus aflorava agora. Tendo estabelecido algo sobre a natureza da sua missão na Terra, “de como proceder ao cuidar dos assuntos do seu Pai” — de fazer toda a humanidade saber da natureza amorosa do seu Pai — , ele começou ponderando, novamente, sobre as muitas afirmações, nas escrituras, que se referiam à vinda de um libertador nacional, de um mestre ou um rei judeu. A quais acontecimentos essas profecias referiam-se? Seria ele um judeu? Ou não seria? Era ou não era da casa de Davi? A sua mãe afirmava que ele era; o seu pai julgava que ele não fosse. E Jesus decidiu que não era. Mas teriam os profetas confundido a natureza e a missão do Messias?

(1391.1) 126:3.11 Afinal, seria possível que a sua mãe estivesse certa? Na maioria das questões, quando surgiram divergências de opinião no passado, ela estivera certa. Se ele fosse um novo mestre e não o Messias, então como poderia ele reconhecer o Messias judeu, caso este aparecesse em Jerusalém durante o tempo da sua missão na Terra; e, além disso, qual deveria ser a sua relação com esse Messias judeu? E qual deveria ser a sua relação com a sua família, depois que assumisse a missão da sua vida? E, também, com a comunidade e a religião judaica, com o império romano, com os gentios e as suas religiões? Cada uma dessas questões relevantes ia sendo revolvida na mente desse jovem galileu seriamente ponderado, enquanto ele continuava a trabalhar na bancada de carpinteiro, ganhando a vida laboriosamente para si próprio, a sua mãe e mais oito outras bocas famintas.

(1391.2) 126:3.12 Antes do fim desse ano, Maria viu as economias da família diminuírem. E confiou a venda dos pombos a Tiago. Em breve compraram uma segunda vaca para, com a ajuda de Míriam, iniciarem a venda de leite aos vizinhos de Nazaré.

(1391.3) 126:3.13 Os seus profundos períodos de meditação, as suas idas freqüentes ao topo da colina para orar e as muitas idéias estranhas que Jesus anunciava, de tempos em tempos, alarmavam profundamente a sua mãe. Algumas vezes ela pensava que o jovem estava fora de si, e então controlava os seus medos lembrando-se de que Jesus, afinal, era um filho prometido e, de muitos modos, diferente dos outros jovens.

(1391.4) 126:3.14 Mas Jesus começava a aprender a não falar dos seus pensamentos, a não apresentar todas as suas idéias ao mundo, nem mesmo à sua própria mãe. Desse ano em diante, as divulgações que Jesus fazia sobre o que se passava na sua mente diminuíram visivelmente; isto é, ele falava cada vez menos sobre as coisas que uma pessoa mediana não entendesse; e que o levariam a ser considerado como peculiar ou diferente da gente comum. Para todos os efeitos, na aparência, tornou-se um jovem comum e convencional, se bem que almejasse achar alguém que pudesse entender os seus problemas. Jesus desejava ter um amigo fiel e digno de confiança, mas os seus problemas eram complexos demais para os seus semelhantes humanos compreenderem. A singularidade dessa situação excepcional compeliu-o a carregar o seu fardo sozinho.

4. O Primeiro Sermão na Sinagoga

(1391.5) 126:4.1 Com a vinda do seu décimo quinto aniversário, Jesus podia oficialmente ocupar o púlpito da sinagoga no sábado. Muitas vezes antes, na ausência de oradores, havia sido pedido a Jesus que lesse as escrituras; mas agora havia chegado o dia em que, de acordo com a lei, ele podia conduzir os serviços. E, por isso, no primeiro sábado depois do seu décimo quinto aniversário, o chazam arranjou para que Jesus conduzisse o serviço matinal na sinagoga. E, quando todos os fiéis de Nazaré estavam reunidos, o jovem, havendo feito a sua seleção das escrituras, levantou-se e começou a ler:

(1391.6) 126:4.2 O espírito do Senhor Deus está em mim, pois o Senhor me ungiu; Ele enviou- me para trazer as boas-novas aos mansos, medicar os que tiverem o coração alquebrado, proclamar a liberdade aos prisioneiros e libertar os confinados espiritualmente; para proclamar o ano da graça e o dia do ajuste com o nosso Deus; para confortar todos os que pranteiam e dar a eles a beleza em lugar de cinzas, o óleo da alegria em lugar do luto, uma canção de louvor em vez do espírito da tristeza, para que sejam chamadas de árvores da retidão aquelas que foram plantadas pelo Senhor e com as quais Ele pode ser glorificado.

(1392.1) 126:4.3 Buscai o bem e não o mal, para que possais viver e assim o Senhor, Deus das hostes, possa estar convosco. Odiai o mal e amai o bem, estabelecei o julgamento à entrada da porta. Talvez o Senhor Deus conceda Sua graça aos remanescentes de José.

(1392.2) 126:4.4 Lavai-vos e purificai-vos; afastai o mal dos vossos atos perante os Meus olhos; cessai de fazer o mal e aprendei a fazer o bem; buscai a justiça; aliviai os oprimidos. Defendei o órfão e pedi pela viúva.

(1392.3) 126:4.5 Com o que me apresentarei perante o Senhor para inclinar-me diante desse Senhor de toda a Terra? Deverei chegar diante Dele com ofertas em holocausto e bezerros de um ano? Será que o Senhor ficará satisfeito com milhares de carneiros, dezenas de milhares de ovelhas ou com rios de óleo? Por causa da minha transgressão, deveria eu desfazer-me do meu primogênito, do fruto do meu corpo, por causa do pecado da minha alma? Não! Pois o Senhor nos mostrou, ó homens, o que é bom. E, o que o Senhor espera de vós, a não ser que sejais justos, que ameis a misericórdia e caminheis humildemente junto ao vosso Deus?

(1392.4) 126:4.6 A quem, então, comparareis o Deus que domina o círculo da Terra? Levantai os vossos olhos e contemplai Aquele que criou todos os mundos, que gera as Suas hostes segundo um número certo e as chama a todas pelos nomes. E faz todas essas coisas graças à grandeza do Seu poder; e, pois, Ele sendo forte em poder, nenhuma delas falha. Ele dá poder aos fracos e àqueles que estão exauridos Ele lhes dá mais força. Não temais, pois Eu estou convosco; não desanimeis, pois Eu sou o vosso Deus. Eu fortalecer-vos-ei e ajudar-vos-ei; sim, Eu sustentar- vos-ei com a mão direita da minha retidão, pois sou o Senhor, vosso Deus. E segurarei a vossa mão direita, dizendo a vós: não temais, pois Eu ajudar-vos-ei.

(1392.5) 126:4.7 E sois, pois, as Minhas testemunhas, diz o Senhor, e os Meus servidores, a quem Eu escolhi para que todos saibam e acreditem em Mim e compreendam que sou o Eterno. Sim, Eu sou o Senhor, e além de Mim não há nenhum salvador.

(1392.6) 126:4.8 E quando terminou essa leitura, Jesus assentou-se, e o povo voltou para as suas casas, pensando nas palavras que tinha tão graciosamente lido para eles. Nunca o povo da sua cidade o havia visto tão magnificamente solene; eles não haviam jamais ouvido a sua voz sendo mais honesta e sincera; nunca eles o haviam visto tão maduro, decisivo e com tanta autoridade.

(1392.7) 126:4.9 Nesse sábado à tarde Jesus subiu a colina de Nazaré com Tiago e, quando retornaram à casa, escreveu os dez mandamentos em grego, com carvão, em duas tábuas de madeira polida. Mais tarde, Marta coloriu e desenhou coisas nessas tábuas, e, durante muito tempo, elas ficaram dependuradas na parede, sobre o pequeno banco de trabalho de Tiago.

5. A Luta Financeira

(1392.8) 126:5.1 Gradualmente, Jesus e a sua família retornaram à vida simples dos seus anos anteriores. As suas roupas e mesmo a sua comida tornaram-se mais simples. Eles possuíam bastante leite, manteiga e queijo. Desfrutavam dos produtos do seu jardim durante as estações próprias, mas, cada mês que passava, obrigava-os à prática de uma frugalidade maior. O desjejum deles era bem simples; deixavam a sua melhor comida para a refeição da noite. Contudo, entre os judeus, a falta de riqueza não implicava inferioridade social.

(1392.9) 126:5.2 Esse jovem tinha quase já a compreensão total de como os homens viviam nos seus dias. E os seus ensinamentos posteriores mostram como Jesus havia entendido bem a vida no lar, no campo e nas oficinas; e tais ensinamentos revelam, de modo bastante completo, a intimidade do seu contato com todas as fases da experiência humana.

(1392.10) 126:5.3 O chazam de Nazaré continuou na crença de que Jesus devia tornar-se um grande mestre, provavelmente o sucessor do renomado Gamaliel, em Jerusalém.

(1393.1) 126:5.4 Aparentemente, todos os planos de Jesus, para a sua carreira, estavam frustrados. Do modo como estavam as questões agora, o futuro não parecia muito brilhante. Mas ele não vacilou e não se desencorajou. Continuou a viver o dia a dia, fazendo bem os deveres do momento e fielmente desempenhando-se das responsabilidades imediatas daquele período da sua vida. A vida de Jesus é o consolo eterno de todos os idealistas desapontados.

(1393.2) 126:5.5 O salário de um dia de trabalho de um carpinteiro comum estava diminuindo aos poucos. Ao fim desse ano Jesus podia ganhar, trabalhando desde cedo pela manhã e até o fim da tarde, apenas o equivalente a cerca de um quarto de dólar por dia. No próximo ano, eles acharam difícil pagar os impostos civis, sem mencionar as contribuições para a sinagoga e os impostos de meio siclo para o templo. Nesse ano, o coletor de impostos tentou extorquir mais dinheiro de Jesus, ameaçando até mesmo levar a sua harpa.

(1393.3) 126:5.6 Temendo que o exemplar das escrituras gregas pudesse ser descoberto e confiscado pelos coletores de impostos, Jesus, no seu décimo quinto aniversário, presentou-o à biblioteca da sinagoga de Nazaré como uma oferta, da sua maturidade, ao Senhor.

(1393.4) 126:5.7 O grande choque do seu décimo quinto ano de idade veio quando Jesus foi a Séforis, para saber sobre a decisão de Herodes a respeito do apelo feito a ele quanto ao montante do dinheiro devido a José, desde a época da sua morte acidental. Jesus e Maria estavam esperando receber uma soma considerável de dinheiro; mas o tesoureiro de Séforis ofereceu a eles uma soma irrisória. Os irmãos de José haviam apelado ao próprio Herodes; agora, no palácio Jesus ouvia Herodes decretar que nada era devido ao seu pai na época da sua morte. E, por essa decisão injusta, Jesus nunca mais confiou em Herodes Antipas. Não é de se surpreender que certa vez ele haja feito alusão a Herodes como “aquela raposa”.

(1393.5) 126:5.8 O trabalho assíduo, na bancada de carpinteiro, durante esse ano e nos seguintes privou Jesus da oportunidade de entrar em contato com os passageiros das caravanas. O seu tio havia já tomado posse da loja que dava suprimento à família; e Jesus trabalhava na oficina da casa todo o tempo, onde podia ficar por perto para ajudar Maria com a família. Nessa época ele começou a enviar Tiago à parada de camelos para colher informações sobre os acontecimentos do mundo; e assim ele buscava estar em contato com as notícias atuais.

(1393.6) 126:5.9 À medida que cresceu até a idade adulta, ele passou por todos esses conflitos e confusões pelos quais a média das pessoas jovens de épocas anteriores e posteriores passa. E a experiência rigorosa, de sustentar a sua família, foi uma salvaguarda segura contra a possibilidade de haver tempo de sobra para pensamentos ociosos ou para permitir-se tendências místicas.

(1393.7) 126:5.10 Esse foi o ano em que Jesus arrendou um terreno de tamanho considerável, ao norte da casa, que foi dividido como um jardim e uma horta da família. Cada uma das crianças maiores possuía uma horta individual; e entraram em competição viva nos seus esforços de agricultores. O seu irmão mais velho passava algum tempo com eles no jardim, todos os dias, durante a estação de cultivo dos vegetais. Quando Jesus trabalhava com os seus irmãos e irmãs mais novos na horta, muitas vezes alimentava o desejo de que fossem todos morar em uma fazenda no interior, onde podiam gozar da independência e da liberdade de uma vida sem entraves. Mas eles não se viam crescendo no campo; e Jesus, sendo um jovem bastante prático, bem como um idealista, enfrentava os problemas de um modo enérgico e inteligente e como ele julgava que devia; e fazia tudo dentro do seu poder e ao da sua família para ajustar-se às realidades da situação e adaptar-se à sua condição, de modo a terem todos a mais alta satisfação possível dentro das suas aspirações individuais e coletivas.

(1393.8) 126:5.11 A um dado momento, Jesus esperou vagamente que pudesse ser capaz de juntar meios suficientes, desde que tivesse sido possível receber a soma considerável de dinheiro devida ao seu pai, pelo trabalho no palácio de Herodes, para garantir a compra de uma pequena fazenda. Realmente ele havia dado uma séria atenção ao plano de mudar com a sua família para o campo. Mas, quando Herodes recusou-se a lhes pagar qualquer fundo devido a José, eles deixaram de lado a ambição de possuir um lar no campo no interior. E então, do modo como ficaram as coisas, acabaram encontrando o meio de desfrutar, em muito, da experiência de uma vida de fazenda, já que agora eles tinham três vacas, quatro ovelhas, uma criação de galinhas, um burro e um cão, além dos pombos. Mesmo os menores tinham os seus deveres regulares para fazer, dentro do esquema bem controlado de organização que caracterizava a vida do lar dessa família de Nazaré.

(1394.1) 126:5.12 Ao fim desse décimo quinto ano, Jesus havia acabado de atravessar o período perigoso e difícil, da existência humana, aquela época de transição entre os anos complacentes da infância e aqueles da consciência da aproximação da idade adulta, com maiores responsabilidades e oportunidades de adquirir experiências adiantadas no desenvolvimento de um caráter nobre. O período de crescimento da mente e do corpo havia terminado, e agora começava a verdadeira carreira desse jovem de Nazaré.

Jesus em Jerusalém

Documento 125

(1377.1) 125:0.1 Nenhum episódio, em toda a movimentada carreira de Jesus na Terra, foi mais atraente e mais humanamente emocionante do que essa que foi a sua primeira visita relembrável a Jerusalém. Ele estava especialmente estimulado pela experiência de comparecer sozinho às discussões no templo, e isso se destacou durante muito tempo na sua memória como o grande acontecimento da sua segunda infância e começo da juventude. Essa era a sua primeira oportunidade de aproveitar de uns poucos dias de vida independente, na alegria de ir e de vir sem constrangimento nem restrições. Esse breve período de vida sem imposições, durante a semana que veio depois da Páscoa, foi a primeira completamente livre de responsabilidades que ele jamais havia gozado. E muitos anos decorreriam antes que ele tivesse novamente um período livre de todo o senso de responsabilidade, ainda que por um curto tempo.

(1377.2) 125:0.2 As mulheres raramente iam à festa de Páscoa em Jerusalém; não lhes era exigido que estivessem presentes. Jesus, entretanto, recusou-se terminantemente a ir, a menos que sua mãe pudesse acompanhá-los. E, quando sua mãe decidiu ir, muitas outras mulheres de Nazaré foram levadas a fazer a viagem, e desse modo o grupo da Páscoa de Nazaré tinha, proporcionalmente ao de homens, o maior número de mulheres a terem ido à Páscoa. De quando em quando, a caminho de Jerusalém, eles cantavam o Salmo 130.

(1377.3) 125:0.3 Desde o momento em que deixaram Nazaré, até que tivessem alcançado o monte das Oliveiras, Jesus vivenciou uma longa tensão de expectativa antecipada. E, em toda a sua alegre infância, havia ouvido falar de Jerusalém e do seu templo reverentemente; agora, em breve ele iria contemplá-los na realidade. Do monte das Oliveiras e do lado de fora, em uma vista mais aproximada, o templo era tudo e até mais do que Jesus esperava; mas, tão logo ele entrou nos seus portais sagrados, a grande desilusão teve início.

(1377.4) 125:0.4 Em companhia dos seus pais Jesus passou pelos recintos do templo, para reunir-se ao grupo de novos filhos da lei que estava para ser consagrado como cidadãos de Israel. Ele ficou um pouco desapontado pelo comportamento geral das multidões no templo, mas o primeiro grande choque do dia veio quando sua mãe os abandonou no intuito de ir para a galeria das mulheres. Nunca havia ocorrido a Jesus que a sua mãe não iria acompanhá-lo às cerimônias de consagração, e ele estava profundamente indignado com o fato de que ela havia sido levada a sofrer essa discriminação injusta. Enquanto ele ressentia-se fortemente disso, à parte alguns poucos comentários de protesto feitos ao seu pai, ele nada disse. Mas pensou, e pensou profundamente, como exatamente ficou demonstrado quando fez novas perguntas aos escribas e aos professores uma semana mais tarde.

(1377.5) 125:0.5 Jesus participou dos rituais da consagração, mas ficara decepcionado com a natureza superficial e rotineira deles. E perdera aquele interesse pessoal que caracterizava as cerimônias da sinagoga de Nazaré. E então retornou para saudar a sua mãe e preparar-se para acompanhar o seu pai na sua primeira volta pelo templo e suas várias praças, galerias e corredores. Os recintos do templo podiam acomodar mais de duzentos mil adoradores ao mesmo tempo, e a vastidão desses prédios — em comparação com qualquer outro que ele havia antes visto — impressionou muito a sua mente; no entanto estava mais curioso para observar a significação espiritual das cerimônias e cultos do templo.

(1378.1) 125:0.6 Embora muitos dos rituais do templo hajam tocado o seu senso do belo e do simbólico, ele ficou decepcionado sempre com a explicação dos sentidos reais dessas cerimônias, que os seus pais ofereceram em resposta às suas muitas perguntas perspicazes. Jesus simplesmente não aceitava as explicações para a adoração e a devoção religiosa envolvendo a crença na ira de Deus ou na braveza atribuída ao Todo-Poderoso. Numa discussão posterior dessas questões, depois de concluírem a visita ao templo, quando o seu pai insistiu com suavidade para que ele declarasse aceitar as crenças ortodoxas judaicas, Jesus voltou-se subitamente para os seus pais e, olhando com apelo dentro dos olhos do seu pai, disse: “Meu pai, não pode ser verdade — o Pai nos céus não pode tratar assim os seus filhos que erram pela Terra. O Pai celeste não pode amar os seus filhos menos do que tu me amas. E eu sei bem, não importa quão pouco sábio seja o que eu possa chegar a fazer, tu não irias jamais derramar a tua ira sobre mim, nem expandir a tua raiva em mim. Se tu, meu pai terreno, possuis esses reflexos humanos do divino, quão mais pleno de bondade não deve ser o Pai celeste e transbordante de misericórdia. Eu me recuso a acreditar que o meu Pai nos céus me ame menos do que o meu pai na Terra”.

(1378.2) 125:0.7 Quando José e Maria ouviram essas palavras vindas do seu primogênito, eles ficaram em paz. E nunca mais novamente procuraram mudar a sua opinião sobre o amor de Deus e a misericórdia do Pai nos céus.

1. Jesus Visita o Templo

(1378.3) 125:1.1 Em todos os lugares por onde ia, pelos pátios do templo, Jesus ficava chocado e enojado com o clima de irreverência que observava. Considerava a conduta da multidão no templo como sendo inconsistente com a presença deles na “casa do seu Pai”. E o grande choque da sua jovem vida veio quando o seu pai o acompanhou à praça dos gentios, onde se ouvia um jargão espalhafatoso, um vozeio alto, um praguejar e tudo isso misturado indiscriminadamente aos balidos das ovelhas e ao murmúrio ruidoso que denunciava a presença de cambistas de moedas e vendedores de animais para o sacrifício e de diversas outras mercadorias comerciais.

(1378.4) 125:1.2 Mas, acima de tudo, o seu senso de conveniência sentiu-se ultrajado quando viu as cortesãs frívolas circulando nesse recinto do templo, mulheres tão pintadas como as que ele havia visto recentemente, quando em visita a Séforis. Essa profanação do templo alevantou totalmente a sua jovem indignação, e ele não hesitou em expressar tudo isso livremente a José.

(1378.5) 125:1.3 Jesus admirava o sentimento e o serviço do templo, mas estava chocado com a feiúra espiritual que via nas faces de tantos dos adoradores irrefletidos.

(1378.6) 125:1.4 Eles passavam agora pela praça dos sacerdotes, abaixo da saliência da rocha, em frente do templo, onde o altar ficava, e observavam a matança de manadas de animais e a lavagem do sangue das mãos dos sacerdotes que oficiavam a chacina na fonte de bronze. A calçada manchada de sangue, as mãos dos sacerdotes intumescidas de sangue, e os grunhidos dos animais que morriam eram mais do que este jovem amante da natureza podia suportar. A visão terrível deixou o jovem de Nazaré doente; ele agarrou o braço do seu pai e implorou que fosse levado embora dali. Eles voltaram pela praça dos gentios, e, mesmo em meio ao riso grosseiro e aos gracejos profanos que eram ouvidos ali, tudo era um alívio para a visão que havia acabado de ter.

(1379.1) 125:1.5 José viu como o seu filho ficara enojado ao ver os ritos do templo e, sabiamente, o levou para ver a “porta da beleza”, a porta artística feita de bronze coríntio. Jesus, todavia, já havia visto o suficiente para essa sua primeira visita ao templo. Eles voltaram para a praça superior em busca de Maria e caminharam ao ar livre, afastando-se da multidão durante uma hora, vendo o palácio Asmoneano, a casa governamental de Herodes e a torre dos guardas romanos. Durante essa caminhada, José explicou a Jesus que só aos habitantes de Jerusalém era permitido testemunhar os sacrifícios diários no templo e que os habitantes da Galiléia vinham três vezes por ano para participar do culto do templo: na Páscoa, na festa de Pentecostes (sete semanas depois da Páscoa) e na Festa de Tabernáculos, em outubro. Essas festas haviam sido instauradas por Moisés. E então eles conversaram sobre essas duas festas mais recentemente estabelecidas, a da consagração e a de Purim. Em seguida foram para os seus alojamentos e se prepararam para a celebração da Páscoa.

2. Jesus e a Páscoa

(1379.2) 125:2.1 Cinco famílias de Nazaré e os seus amigos foram convidados pela família de Simão, de Betânia, para a celebração da Páscoa; Simão havia comprado o cordeiro pascal para todo o grupo. A matança desses cordeiros, em quantidades tão enormes, era o que tinha afetado tanto a Jesus, na sua visita ao templo. O plano, para a Páscoa, era de comer com os parentes de Maria, mas Jesus persuadiu os seus pais a aceitarem o convite para irem a Betânia.

(1379.3) 125:2.2 Naquela noite eles reuniram-se para os ritos da Páscoa, comendo a carne tostada com o pão sem levedura e as ervas amargas. A Jesus, sendo ele um novo filho da aliança, lhe foi pedido que contasse sobre a origem da Páscoa; e ele fez isso muito bem, mas deixou os próprios pais desconcertados, de uma certa maneira, ao incluir várias observações que refletiam, com suavidade, as impressões causadas na sua mente jovem, mas profunda, pelas coisas que ele havia visto e ouvido tão recentemente. Esse era o começo das cerimônias dos sete dias da festa da Páscoa.

(1379.4) 125:2.3 Mesmo ainda tão jovem, Jesus, embora não tivesse dito nada sobre essas questões aos seus pais, havia começado a se perguntar sobre como seria celebrar a Páscoa sem a matança de cordeiros. Ele sentiu-se seguro no seu próprio pensamento de que o Pai no céu não estava contente com esse espetáculo de ofertas de sacrifícios e, com o passar dos anos, ele tornou-se cada vez mais determinado a estabelecer a celebração de uma Páscoa sem sangue, algum dia.

(1379.5) 125:2.4 Jesus pouco dormiu naquela noite. O seu descanso foi bastante perturbado por sonhos revoltantes, de matanças e de sofrimentos. A sua mente estava perturbada e o seu coração dilacerado por causa das inconsistências e absurdos da teologia de todo o sistema judaico de cerimônias. Os seus pais do mesmo modo dormiram pouco. Eles ficaram bastante desconcertados com os acontecimentos do dia que terminava. Tinham os seus corações completamente perturbados pela atitude determinada e, para eles, estranha, do jovem. Maria ficou nervosamente agitada durante a primeira parte da noite, mas José permaneceu calmo, embora estivesse igualmente intrigado. Ambos temiam falar francamente com o jovem sobre esses problemas, embora Jesus, muito prazerosamente, tivesse querido conversar com os seus pais, caso eles tivessem ousado encorajá-lo.

(1379.6) 125:2.5 Os serviços do dia seguinte, no templo, foram mais aceitáveis para Jesus e em muito colaboraram para aliviar as memórias desagradáveis do dia anterior. Na manhã seguinte o jovem Lázaro tomou Jesus pela mão, e começaram uma exploração sistemática de Jerusalém e dos seus arredores. Antes que o dia tivesse acabado, Jesus descobriu os diversos locais perto do templo nos quais havia conferencistas a ensinar e a responder perguntas; e, à parte umas poucas visitas ao santo dos santos, nas quais ele se perguntara com espanto o que estava realmente por trás do véu da separação, ele passou a maior parte do seu tempo perto do templo, nessas conferências de ensino.

(1380.1) 125:2.6 Durante a semana da Páscoa, Jesus se manteve no seu lugar junto aos novos filhos do mandamento, e isso significava que ele devia assentar-se do lado de fora da grade que separava todas as pessoas que não eram cidadãos completos de Israel. Assim, sendo obrigado a tomar consciência da sua juventude, ele absteve-se de fazer as muitas perguntas que iam e vinham na sua mente; ao menos ele se conteve até que as celebrações da Páscoa tivessem chegado ao fim, pois, com isso, também as restrições aos jovens recém-consagrados ficavam suspensas.

(1380.2) 125:2.7 Na quarta-feira da semana da Páscoa, foi permitido a Jesus ir para casa com Lázaro e passar a noite em Betânia. Nessa noite, Lázaro, Marta e Maria ouviram Jesus falar sobre coisas temporais e eternas, humanas e divinas e, daquela noite em diante, todos os três passaram a amá-lo como se fosse um irmão deles.

(1380.3) 125:2.8 No fim da semana, Jesus viu Lázaro menos, pois este não tinha o direito de ser admitido nem no círculo mais externo das discussões do templo, embora fosse a algumas palestras públicas dadas nas praças externas. Lázaro era da mesma idade que Jesus, mas, em Jerusalém, os jovens raramente eram admitidos à consagração dos filhos da lei antes que tivessem treze anos completos de idade.

(1380.4) 125:2.9 Durante a semana da Páscoa, os pais de Jesus encontrá-lo-iam muitas vezes assentado a sós com as mãos na sua cabeça jovem, pensando profundamente. Eles nunca o haviam visto comportar-se daquela maneira e estavam sentidamente perplexos, não sabendo o quão confusa estaria a mente dele nem quais problemas havia no seu espírito por causa da experiência pela qual estava passando; e eles não sabiam o que fazer. Ficaram contentes com o final da semana da Páscoa, pois almejavam ter de volta em Nazaré, a salvo, aquele filho de atitudes tão estranhas.

(1380.5) 125:2.10 Dia após dia, Jesus pensava em todos os questionamentos. Ao final da semana ele tinha feito já muitas adequações; mas, quando chegou a hora de voltar para Nazaré, a sua mente jovem ainda fervilhava de perplexidades e era ainda assaltada por uma série de perguntas não respondidas e questões por resolver.

(1380.6) 125:2.11 Antes que tivessem deixado Jerusalém, em companhia do professor de Jesus em Nazaré, José e Maria tomaram as providências definitivas para que Jesus voltasse, quando ele tivesse a idade de quinze anos, para começar o seu longo curso de estudos, em uma das mais conhecidas academias dos rabinos. Jesus acompanhou os seus pais e o seu professor nas visitas à escola, mas eles ficaram ansiosos ao observarem o quão indiferente ele parecera a tudo o que disseram e fizeram. Maria estava profundamente atormentada com as suas reações à visita a Jerusalém, e José profundamente perplexo com as observações estranhas do jovem e a sua conduta incomum.

(1380.7) 125:2.12 Afinal, a semana de Páscoa tinha sido um grande acontecimento na vida de Jesus. Ele desfrutara da oportunidade de encontrar um grande número de rapazes da sua própria idade, companheiros candidatos à consagração e utilizara desses contatos como meio de aprender sobre o modo de vida do povo na Mesopotâmia, Turquestão e Pérsia, tanto quanto nas províncias do extremo oriente de Roma. Ele estava já bastante familiarizado com o modo com o qual os jovens do Egito e de outras regiões perto da Palestina eram criados e cresciam. Havia milhares de meninos em Jerusalém nessa época e o jovem de Nazaré pode conhecer e entrevistar, pessoalmente, de forma mais ou menos prolongada, mais de cento e cinqüenta deles. Estivera particularmente interessado naqueles que provinham dos países do extremo ocidente e do oriente mais remoto. Como resultado desses contatos o jovem começou a alimentar um desejo de viajar pelo mundo com o propósito de aprender como os vários grupos dos seus irmãos trabalhavam para viver.

3. A Partida de José e Maria

(1381.1) 125:3.1 Havia sido arranjado para que o grupo de Nazaré se reencontrasse perto do templo, no primeiro dia da semana seguinte, no meio da manhã, depois que o Festival da Páscoa houvesse terminado. Eles fizeram isso e iniciaram o retorno a Nazaré. Jesus tinha ido ao templo para ouvir as discussões, enquanto os seus pais esperavam pela reunião de todos viajantes. Em breve, o grupo preparou- se para partir, os homens caminhando em um grupo e as mulheres em outro, como era o costume ao viajar para os festivais de Jerusalém. Jesus havia ido para Jerusalém em companhia da sua mãe e das mulheres. E, sendo agora um homem consagrado, supunha-se que fizesse o caminho de volta para Nazaré em companhia do seu pai e dos outros homens. Mas, tão logo o grupo de Nazaré movimentou-se, na direção de Betânia, Jesus estava tão completamente absorto na discussão sobre os anjos, no templo, que se esqueceu totalmente de que passara o momento da partida dos seus pais. E só percebeu que havia sido deixado para trás na hora da interrupção das conferências do templo, ao meio-dia.

(1381.2) 125:3.2 Os viajantes de Nazaré não sentiram a falta de Jesus porque Maria supunha que ele viajava com os homens, enquanto José pensava que ele viajava com as mulheres, pois tinha vindo a Jerusalém com elas guiando o jumento de Maria. E não descobriram a sua ausência senão quando chegaram a Jericó e se preparavam para passar a noite. Depois de perguntarem aos últimos grupos que chegaram a Jericó e, verificando que nenhum deles tinha visto o seu filho, eles passaram uma noite sem dormir, remoendo nas suas mentes o que poderia ter acontecido, relembrando as suas inúmeras reações inusitadas aos acontecimentos da semana da Páscoa e, com suavidade, repreendendo-se um ao outro por não terem feito com que ele estivesse no grupo antes que partissem de Jerusalém.

4. O Primeiro e o Segundo Dias no Templo

(1381.3) 125:4.1 Nesse meio tempo, Jesus havia permanecido no templo durante a tarde, ouvindo às discussões e desfrutando de uma atmosfera a mais quieta e decorosa, pois as grandes multidões da semana da Páscoa tinham já praticamente desaparecido. Depois da conclusão das discussões da tarde, de nenhuma das quais Jesus havia participado, ele partiu para Betânia, chegando exatamente na hora em que a família de Simão fazia-se pronta para tomar a refeição da noite. Os três jovens estavam cheios de alegria de poderem estar com Jesus que permaneceu na casa de Simão naquela noite; no entanto, ele pouco conversou, passando grande parte da noite a sós, no jardim, meditando.

(1381.4) 125:4.2 Cedo, no dia seguinte, Jesus estava de pé e a caminho do templo. Parou no topo do monte das Oliveiras, e as lágrimas derramaram-se dos seus olhos por causa da vista que contemplava — um povo espiritualmente empobrecido, tolhido pelas tradições e vivendo sob a vigilância de legiões romanas. Bem cedo, pela manhã, Jesus encontrava-se já no templo com a sua mente pronta para tomar parte nas discussões. Enquanto isso, José e Maria também estavam, já bem cedo, de pé e com a intenção de retomar o caminho até Jerusalém. Primeiro, eles se apressaram a ir até a casa dos seus parentes, onde se tinham alojado como uma família durante a semana da Páscoa; todavia ficou claro o fato de que ninguém havia visto Jesus. Depois de procurarem o dia inteiro sem encontrarem sequer um vestígio dele, voltaram para a casa dos seus parentes para passarem a noite.

(1382.1) 125:4.3 Na segunda conferência, Jesus tinha ousado fazer umas perguntas e participara, de uma maneira muito surpreendente, das discussões no templo mas sempre de um modo consistente com a sua juventude. Algumas vezes as suas perguntas incisivas eram um tanto embaraçosas para os doutos professores da lei judaica, mas ele evidenciava um tal espírito de honestidade cândida, combinada a uma fome evidente de conhecimento, que a maioria dos professores do templo se viu disposta a tratá-lo com toda a consideração. Quando, no entanto, ele presumiu perguntar sobre a justiça que seria condenar à morte um gentio bêbado que havia vagado pelo lado de fora da praça dos gentios e que, inadvertidamente, entrara nos recintos proibidos e reputadamente sagrados do templo, um dos mais intolerantes professores ficou impaciente com as críticas implícitas do jovem e, olhando furiosamente para ele, perguntou quantos anos tinha. Jesus respondeu: “Treze anos, menos pouco mais de quatro meses”. “Então”, retomou o professor agora irado: “Por que estás aqui, desde que não tens a idade de um filho da lei?” E quando Jesus explicou que havia recebido a consagração durante a Páscoa, e que era um estudante das escolas de Nazaré, que tinha completado os seus estudos, os professores em um acorde único retorquiram com ironia: “Deveríamos ter sabido; ele é de Nazaré”. Mas o líder insistiu que Jesus não devia ser inculpado, se os dirigentes da sinagoga em Nazaré tinham-no efetivamente graduado, quando ele tinha doze anos de idade em vez de treze; e, não obstante vários dos seus caluniadores haverem abandonado o local, a regra era de que o jovem devesse participar sem ser perturbado, como um aluno, nas discussões do templo.

(1382.2) 125:4.4 Quando terminou esse seu segundo dia no templo, novamente Jesus foi para Betânia, passar a noite. E, novamente, ficou no jardim para meditar e orar. Evidentemente a sua mente estivera preocupada na contemplação de problemas graves.

5. O Terceiro Dia no Templo

(1382.3) 125:5.1 O terceiro dia de Jesus com os escribas e os professores no templo testemunhou a reunião de muitos espectadores que, havendo ouvido falar desse jovem da Galiléia, vieram para usufruir da experiência de presenciar o jovem confundir os homens sábios da lei. Simão também veio de Betânia, para ver o que o menino faria. Durante esse dia, José e Maria continuaram a sua procura ansiosa por Jesus, indo mesmo por várias vezes, até o templo, mas nunca pensando em escrutinar os vários grupos de discussões, embora houvessem tido a impressão, em determinado momento, de terem ouvido a voz fascinante dele à distância.

(1382.4) 125:5.2 Antes que o dia houvesse terminado, toda a atenção do principal grupo de discussão do templo estava focalizada nas perguntas feitas por Jesus. Entre as suas muitas perguntas estavam:

(1382.5) 125:5.3 1. O que realmente existe no santo dos santos, atrás do véu?
(1382.6) 125:5.4 2. Por que as mães em Israel deviam ser segregadas dos adoradores masculinos do templo?
(1382.7) 125:5.5 3. Se Deus é um Pai que ama os seus filhos, por que toda essa matança de animais para ganhar o favor divino — teriam os ensinamentos de Moisés sido mal interpretados?
(1382.8) 125:5.6 4. Se o templo é dedicado à adoração do Pai no céu, é coerente permitir a presença daqueles que estão empenhados em meras trocas seculares e no comércio?
(1382.9) 125:5.7 5. O esperado Messias será um príncipe temporal a assentar-se no trono de Davi, ou irá ele funcionar como a luz da vida para o estabelecimento de um Reino espiritual?

(1383.1) 125:5.8 E, durante todo o dia, aqueles que o escutaram, maravilharam-se com essas perguntas, e ninguém ficara mais atônito que Simão. Durante mais de quatro horas, esse jovem de Nazaré pressionou os instrutores judeus com perguntas que instigavam o pensamento e que sondavam os corações. Ele fazia poucos comentários sobre as respostas dos mais velhos. Passava o seu ensinamento por meio das perguntas que fazia. Com a frase hábil e sutil de uma pergunta, ao mesmo tempo desafiava o ensinamento deles e sugeria o seu próprio. Pelo seu modo de formular uma pergunta, havia uma atraente combinação de sagacidade e de humor que o tornavam querido até mesmo por aqueles que mais ou menos se ressentiam da sua juventude. Ele era sempre eminentemente justo e cheio de consideração, pelo modo como fazia as perguntas penetrantes. Nessa tarde memorável, no templo, Jesus demonstrou aquela mesma relutância em tirar vantagem injusta de um oponente, coisa que caracterizou toda a sua ministração pública subseqüente. Enquanto jovem, e mais tarde como um homem, ele parecia estar totalmente isento de todo o desejo egoísta de vencer uma discussão para experimentar meramente um triunfo lógico sobre os seus semelhantes; estando interessado supremamente apenas em uma coisa: em proclamar a verdade perene e assim efetuar uma revelação mais completa do Deus eterno.

(1383.2) 125:5.9 Quando o dia terminou, Simão e Jesus dirigiram-se para Betânia. Durante a maior parte do caminho, o homem e o menino permaneceram em silêncio. De novo Jesus parou no cume do monte das Oliveiras, mas enquanto via a cidade e o seu templo Jesus não chorou; apenas inclinou a sua cabeça em uma devoção silenciosa.

(1383.3) 125:5.10 Depois da refeição da noite, em Betânia, novamente ele declinou-se de juntar- se ao círculo feliz; em vez disso, indo para o jardim, lá se demorou noite adentro, empenhando-se em vão em encontrar algum plano definido de abordagem da questão do trabalho da sua vida e de como decidir o que de melhor fazer para revelar aos seus irmãos, espiritualmente cegos, um conceito mais belo do Pai celeste e, desse modo, libertá-los da sua terrível servidão à lei, ao ritual, ao cerimonial e à tradição obsoleta. Mas nenhuma luz clara veio ao jovem buscador da verdade.

6. O Quarto Dia no Templo

(1383.4) 125:6.1 Estranhamente, Jesus encontrava-se esquecido dos seus pais terrenos; mesmo no desjejum, quando a mãe de Lázaro observou que os seus pais deviam estar em casa naquele momento, Jesus não pareceu compreender que eles deveriam estar, de algum modo, preocupados por ele haver ficado para trás.

(1383.5) 125:6.2 Novamente Jesus caminhou até o templo, mas não parou para meditar no topo do monte das Oliveiras. Durante as discussões da manhã, grande parte do tempo foi devotada à lei e aos profetas; e os instrutores ficaram espantados por Jesus estar tão familiarizado com as escrituras tanto em hebreu, quanto em grego. Todavia, estavam mais estupefatos com a sua pouca idade do que com os seus conhecimentos da verdade.

(1383.6) 125:6.3 Nas palestras da tarde, mal haviam começado a responder a sua pergunta relacionada ao propósito da prece, quando o líder convidou o jovem a adiantar-se e, assentando-se ao seu lado, instou-o a falar sobre a sua própria visão a respeito da prece e da adoração.

(1383.7) 125:6.4 Na noite anterior, os pais de Jesus haviam ouvido falar sobre um estranho adolescente que tão primorosamente argumentava com os comentadores da lei, mas não lhes ocorrera que fosse o seu filho. Haviam decidido ir até a casa de Zacarias, pois pensavam que Jesus poderia ter ido até lá para ver Isabel e João. Pensando que Zacarias pudesse talvez estar no templo, pararam lá a caminho da cidade de Judá. E, passando pelas praças do templo, imaginai a surpresa deles e o seu assombro quando reconheceram a voz do jovem desaparecido e o viram assentado entre os instrutores do templo.

(1384.1) 125:6.5 José ficou incapaz de falar, mas Maria deu vazão à sua emoção, por tanto tempo contida, de medo e ansiedade, e, correndo até o jovem, agora de pé para saudar os seus pais atônitos, ela disse: “Meu filho, por que nos trataste desse modo? Já faz mais de três dias que o seu pai e eu procuramos desesperadamente por ti. O que te deu para nos abandonar?” Foi um momento tenso. Todos os olhos estavam voltados para Jesus, para ouvir o que ele diria. O seu pai olhou para ele em reprovação, mas sem nada dizer.

(1384.2) 125:6.6 Deve ser lembrado que era de se esperar que Jesus fosse como um jovem cresido. Ele havia acabado a escola regular de um menino, havia sido reconhecido como um filho da lei e recebera a consagração como cidadão de Israel. E, ainda assim, a sua mãe, mais do que levemente o repreendia perante todo o povo reunido, bem no meio do esforço mais sério e sublime da sua jovem vida; conduzindo a um fim inglório, assim, uma das maiores oportunidades que jamais lhe seriam concedidas para atuar como um instrutor da verdade, um pregador da retidão, um revelador do caráter amoroso do seu Pai no céu.

(1384.3) 125:6.7 Mas o jovem mostrou estar à altura das circunstâncias. Se levardes em justa consideração todos os fatores que se combinaram para criar essa situação, estareis mais bem preparados para penetrar a sabedoria da resposta do jovem à censura sem intenção da sua mãe. Depois de pensar por um momento, Jesus respondeu à sua mãe, dizendo: “Por que me procuraste por tanto tempo? Não devias esperar encontrar-me na casa do meu Pai, já que é chegado o momento em que devo cuidar dos assuntos do meu Pai?”

(1384.4) 125:6.8 Todos ficaram surpreendidos com a maneira do jovem falar. Silenciosamente foram se retirando e deixaram-no de pé sozinho, com os seus pais. Em breve o jovem rapaz aliviou a todos os três, de um embaraço, dizendo calmamente: “Ora, meus pais, ninguém fez nada senão aquilo que supunha ser o melhor. O nosso Pai nos céus determinou estas coisas; voltemos para casa”.

(1384.5) 125:6.9 E partiram em silêncio, chegando em Jericó para passar a noite. Apenas uma vez eles pararam, e foi no cume do monte das Oliveiras, quando o jovem levantou o seu bastão para o alto e, agitando o corpo da cabeça aos pés sob a onda de uma intensa emoção, disse: “Ó Jerusalém, Jerusalém, e seus habitantes, que escravos sois — subservientes ao jugo romano e vítimas das vossas próprias tradições — , mas eu voltarei para purificar o templo e para libertar o meu povo dessa servidão!

(1384.6) 125:6.10 Durante os três dias de viagem a Nazaré, Jesus pouco falou; e os seus pais pouco disseram na sua presença. Ficaram realmente sem entender a conduta do seu primogênito; mas guardaram nos seus corações o que ele dissera, ainda que não pudessem compreender plenamente o significado daquilo.

(1384.7) 125:6.11 Ao chegarem em casa, Jesus fez uma breve declaração aos seus pais, assegurando a sua afeição por eles e deixando implícito que não havia nada a temer, pois ele não daria de novo oportunidade para que sofressem ansiedades em conseqüência da sua conduta. E concluiu essa declaração significativa dizendo: “Embora eu deva cumprir a vontade do meu Pai no céu, eu serei também obediente ao meu pai na Terra. Aguardarei a minha hora”.

(1384.8) 125:6.12 Embora, na sua mente, por muitas vezes, Jesus chegasse a recusar a consentir nos esforços bem intencionados, mas mal orientados, dos seus pais, não aceitando que eles ditassem o andamento do seu pensamento nem que estabelecessem o plano do seu trabalho na Terra, ainda assim, e de um modo totalmente consistente com a sua dedicação a fazer a vontade do seu Pai do Paraíso, ele conformou-se, com toda a graça, aos desejos do seu pai terreno e aos costumes da sua família na carne. E, mesmo nas coisas em que não podia consentir, tudo de possível ele faria para conformar-se. Ele era um artista na questão do ajustamento da sua dedicação ao dever para com as suas obrigações de lealdade à família e serviço ao semelhante.

(1385.1) 125:6.13 José ficara confuso, mas Maria, refletindo sobre essas experiências, ficou confortada, finalmente, considerando aquela elocução, no monte das Oliveiras, como sendo profética da missão messiânica do filho dela, como o libertador de Israel. Ela se pôs a trabalhar com energia renovada, para orientar os pensamentos de Jesus nos canais patrióticos e nacionalistas e recorreu aos esforços do seu irmão, o tio favorito de Jesus; e de vários outros modos a mãe de Jesus dedicou-se à tarefa de preparar o seu primeiro filho para assumir a liderança daqueles que iriam restaurar o trono de Davi retirando para sempre aquele povo da servidão política e do jugo dos gentios.

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O que é ser Voluntário!

Acordemos

É sempre fácil examinar as consciências alheias, identificar os erros do próximo, opinar em questões que não nos dizem respeito, indicar as fraquezas dos semelhantes, educar os filhos dos vizinhos, reprovar as deficiências dos companheiros, corrigir os defeitos dos outros, aconselhar o caminho reto a quem passa, receitar paciência a quem sofre e retificar as más qualidades de quem segue conosco... Mas enquanto nos distraimos, em tais incursões a distância de nós mesmos, não passamos de aprendizes que fogem, levianos, à verdade e à lição. Enquanto nos ausentamos do estudo de nossas próprias necessidades, olvidando a aplicação dos princípios superiores que abraçamos na fé viva, somos simplesmente cegos do mundo interior relegados à treva... Despertemos, a nós mesmos, acordemos nossas energias mais profundas para que o ensinamento do Cristo não seja para nós uma bênção que passa, sem proveito à nossa vida, porque o infortúnio maior de todos para a nossa alma eterna é aquele que nos infelicita quando a graça do Alto passa por nós em vão!... Xavier, Francisco Cândido. Da obra: Caridade. Ditado pelo Espírito André Luiz. Araras, SP: IDE. 1978.